Com a queda da taxa básica de juros, a Selic, e a restrição de orçamento do governo federal, os bancos privados decidiram ampliar a disputa pelo mercado de crédito rural – um setor que era quase um monopólio das instituições financeiras públicas.
Nesta safra, Bradesco, Santander e Itaú passaram a adotar uma abordagem agressiva em regiões de produção agrícola. Para driblar a falta de experiência, apostaram em agências rurais e aceleraram a contratação de engenheiros agrônomos para integrar a equipe de relacionamento. Montaram ainda divisões especializadas, com gerentes de contas, na sua maioria, buscados nas tradings e nas cooperativas de crédito com atuação no interior do Brasil.
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Com a ofensiva, nos últimos quatro anos, instituições privadas ampliaram de 24% para 30% a participação do total de financiamento ao agronegócio, que gira em torno de R$ 306 bilhões na safra de 2019/2020. Segundo estimativas do mercado, essa participação deve chegar a 50% até 2022, ano em que os produtores devem demandar R$ 355 bilhões em crédito.
O apetite das instituições privadas ficou ainda maior diante da postura do governo, que sinalizou o interesse em criar um sistema de crédito privado capaz de reduzir os subsídios e os recursos obrigatórios na área. Com esse objetivo, o presidente Jair Bolsonaro assinou no início do mês a chamada MP do Agro, que abre espaço para novos produtos para o campo negociados nas bolsas.
Queda da Selic
Os esforços dos bancos privados para aumentar sua fatia no crédito para o campo começaram a ganhar força nos últimos três anos, com o início do atual ciclo de cortes da Selic, a taxa básica da economia. A queda nos juros reduziu o custo de captação de crédito rural, o que levou as linhas oferecidas pelos bancos privados a se aproximarem das faixas de financiamento que integram o Plano Safra. O programa, que oferece crédito subsidiado ao produtor rural, é distribuído principalmente pelo Banco do Brasil e pelo Banco do Nordeste.
Os juros do Plano Safra são fixados pelo governo. Em 2019, foi estipulada a faixa de 6% ao ano, para médios agricultores, a 8%, nas linhas voltadas aos produtores de grande porte.
Com a Selic nos atuais 5,5% ao ano, as instituições privadas já conseguem oferecer crédito de 6,5% a 8,5%. E, com a perspectiva de novos cortes nos juros básicos, as tesourarias já vislumbram concessões abaixo do piso do Plano Safra. “O mercado caminha para um crédito privado tão ou mais competitivo do que o financiamento obrigatório definido pelo governo federal”, diz o diretor da área de agronegócios do Santander, Carlos Aguiar Neto.
Na contramão do movimento de fechamento de agências observado nos grandes centros, o executivo toca um projeto de expansão de unidades rurais em cidades de 50 mil a 60 mil habitantes. Até o fim deste ano, serão 40 dessas agências. Em janeiro, eram apenas oito.
Com a ampliação, Bradesco e do Itaú estão reforçando agências em regiões estratégicas para o agronegócio. Criaram divisões especializadas nessas unidades, com equipes formadas até por engenheiros agrônomos. Cada um dos bancos tem 13 dessas divisões espalhadas pelo país.
‘Tem muito dinheiro barato no mercado’
Depois de duas décadas criando gado no interior de Mato Grosso do Sul, o paulista Leonardo Maciel tem hoje sete mil hectares de terra, cinco mil cabeças de gado e, pela primeira vez na vida, uma dívida de R$ 7,3 milhões contraída em dois bancos, um público e um privado, que começam a vencer a partir de 2021. “Eu nunca tinha conseguido dinheiro assim no banco”, diz ele. “Este ano, o crédito chegou. Tem muito dinheiro barato no mercado.”
Com a verba extra, Maciel reformou a fazenda. Adubou e replantou pastagem, melhorou os currais e implementou açudes com água tratada para o gado. “Hoje, o meu bezerro bebe uma água melhor do que a minha, de casa. Vamos dobrar a produção até o ano que vem.”
Investida
Em março, quando o governo anunciou os R$ 222,74 bilhões para o Plano Safra, com teto de juros de 8% ao ano para o grande produtor e piso de 6% para o médio, os bancos começaram a cruzar as porteiras das fazendas oferecendo linhas extras de financiamento para o custeio, como é chamado o recurso usado no dia a dia da fazenda, ou para projetos de ampliação de infraestrutura. As opções giravam entre 9% de taxa de juros ao ano até 7,5% ao ano.
“Com uma Selic a 6,5% na época, a gente sentiu que dava para competir com o crédito obrigatório e redobrar a aposta no setor”, conta o diretor de agronegócio do Bradesco, Roberto França. O banco, hoje, opera com uma carteira de R$ 20 bilhões para o produtor rural, metade com recursos livres.
Para o especialista em agronegócio, Renato Buranello, do escritório VBSO Advogados, a queda da Selic e a nova concorrência bancária no setor têm pressionado a queda dos juros, o que aponta para margens menores. “Vivemos o começo de uma mudança grande no setor. Os bancos têm de emprestar e o mercado agro é bom pagador, oferece garantia de terra ou produção no caso de calote e cresce todo o ano.”
“Eu peguei crédito a 8%, mas hoje conseguiria a 7% ao ano”, diz Rogério Luiz Gradin, que planta cana-de-açúcar e soja em Jataí (GO) há 25 anos. “Os caras estão brigando para emprestar (dinheiro). Já recebi agrônomo, gerente de agro, telefonema de gerente. A briga é feia”, conta. “O crédito de custeio hoje é com renovação automática. Você acaba de pagar e já está liberado o mesmo valor na conta, na hora”, afirma.
MP do Agro
Para além da concorrência bancária, os produtores também esperam pelo crescimento do mercado de capitais como fonte de financiamento para as próximas safras. Uma demanda antiga do setor, a MP 897, a chamada de MP do Agro, foi publicada pelo governo no começo do mês. É uma esperança também do governo para ampliar a captação de recursos e aliviar a pressão por crédito subsidiado.
O texto amplia o portfólio de produtos negociados no mercado financeiro com o objetivo de bancar a produção, também permite que o produtor fracione as grandes propriedades, oferecidas como garantia em operações de financiamento com os bancos.
Segundo Renato Buranello, do escritório VBSO Advogados, atualmente os produtores rurais precisam dar todo o imóvel como garantia aos bancos, que, por vezes, vale mais que o valor do financiamento. “A ideia de desmembrar o patrimônio é ter acesso a mais linhas de financiamento e fazer essa operação em cartório, de forma extrajudicial”, afirma.
Na esteira da fragmentação das fazendas, a MP criou a Cédula Imobiliária Rural (CIR), que será emitida por proprietários de imóveis rurais a partir da divisão das terras e poderá ser negociada no mercado de títulos e valores mobiliários.
Outra novidade é a possibilidade de emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Cédula do Produto Rural (CPR) em dólar, diretamente no exterior. Com isso, o setor pode negociar títulos de crédito locais em bolsas internacionais.
O Ministério da Economia espera que boa parte das medidas anunciadas passe a valer a partir de 2020. A ideia é que o Conselho Monetário Nacional (CMN), defina as diretrizes para a comercialização dos títulos de dívida dolarizados e da nova CIR até o fim deste ano.