Cresce êxodo em Porto Príncipe, no Haiti

Ajuda humanitária insuficiente e temor da violência geram debandada dos haitianos rumo ao interior do país ou ao exteriorÀ espera de um ônibus na rodoviária de Porto Príncipe, o haitiano Marceson Romen projetava o futuro, mas sem conseguir esquecer o que projetara no passado. Quando deixou sua região de origem, Artibone, anos atrás, planejava retornar com muito dinheiro. Em vez disso, o dia chegou e ele carregava consigo nada mais do que uma mala preta e uma barra de sabão no bolso da camisa.

? Pensei que voltaria para casa como um homem rico, mas estou voltando sem nada ? diz o encanador de 27 anos ao jornal The New York Times.

Romen é apenas um dos milhares de haitianos que todos os dias lotam as saídas da capital do Haiti. Cansados de esperar pela ajuda humanitária e temendo a violência que toma conta das ruas de Porto Príncipe, muitos sobreviventes do devastador terremoto da semana passada estão fugindo do caos da cidade para áreas menos afetadas no interior do Haiti. Mesmo assim, a escassez de informações sobre a situação no restante do país e as péssimas condições financeiras fazem dessas viagens um grande êxodo rumo à incerteza.

O encanador Romen, por exemplo, espera construir na cidade natal uma casa no mesmo local onde, antigamente, moravam seus pais. O novo ? mas incerto ? lar abrigaria também os três filhos que salvou dos escombros. Longe dali, no porto de Jérémie, Yanique Verly, vendedora de verduras de 33 anos, esperava um barco que a levaria com os filhos para a casa de parentes na costa oeste do Haiti.

? Nossa casa foi destruída. Minha única esperança é retornar para os braços da minha família ? afirma ela.

Quem tem carro o enche com os poucos bens que foi possível salvar e se dirige aos postos de combustível, onde filas intermináveis obrigam a horas de espera. Muitas pessoas carregam malas cheias, enquanto outras levam apenas a roupa do corpo e algum dinheiro que chega só para pagar o bilhete da viagem. Alguns ônibus transportam passageiros até no teto. Há quem vá a pé.

? Não temos mais comida em casa, ir embora é a única coisa que podemos fazer. Pelo menos lá podemos plantar para conseguir comer ? explica Livena Livel, uma vendedora de 22 anos que rumava para a casa do pai, localizada nas proximidades de Les Cayes, cidade a quatro horas da capital.

Ao lado do marido e dos quatro filhos, Talulum Saint Fils aguardava um ônibus lotado que os levaria ao interior ? “para qualquer lugar, desde que seja longe de Porto Príncipe”, ressaltou ela à agência de notícias AFP. A família Saint Fils vendeu joias para pagar 400 gourdes (R$ 18) por cada passagem, embora o preço normal seja apenas a metade desse valor. Quem não consegue um lugar a bordo não esconde a decepção e a irritação.

? Levamos o dobro de passageiros e cobramos o dobro, mas não há gasolina na cidade e não há segurança. É um preço justo para sair do inferno ? justifica Jaino Nony, dono de uma frota de ônibus.

Haitianos com cidadania de outros países também tentam sair da capital pelo aeroporto, parcialmente destruído, comandado agora pelo exército americano. Foi instalada até uma área de imigração provisória para monitorar os passaportes. O êxodo de haitianos começa a ser percebido em alguns bairros de Porto Príncipe, sobretudo nos mais devastados, que, com o passar dos dias, vão ficando desertos.

? Milhares e milhares se vão, nunca vi tanta pressa ? comenta o motorista Garette Saint-Julien, que tentava controlar a multidão.

Acima dos para-brisas de alguns dos ônibus, mensagens em francês pintadas com cores vivas evocavam esperança aos que partiam em busca de uma vida melhor longe do inferno: Christ Est la Réponse (Cristo é a Resposta) e Courage Mon Frère (Coragem, meu Irmão).