Custo de produção leva sojicultores a trocarem sementes transgênicas por convencionais

Série de reportagens conta a trajetória dos 10 anos de produção do grão geneticamente modificado no paísA área plantada com sementes geneticamente modificadas vem crescendo em todo o país, mas muitos produtores estão fazendo o caminho inverso e investindo no cultivo da soja convencional. Altemar Kroling cultiva soja em Diamantino, a 209 quilômetros de Cuiabá, no Estado de Mato Grosso. Planta sementes transgênicas já há muito tempo. Nos últimos três anos, a soja geneticamente modificada tomou conta de toda a área. Nesta safra, porém, o produtor decidiu mudar.

– Agora a gente está fazendo o caminho de volta. Aos poucos, todo ano, voltando a plantar soja convencional. A tendência, desde que o prêmio continue atrativo, é chegar a 100%.

De olho nos custos

O produtor que toma a decisão de plantar a semente convencional leva em conta alguns fatores, como os custos por hectare e os preços da saca de 60 quilos. As cotações estão em patamares elevados. O mercado paga um prêmio de R$ 5 a R$ 12 por saca de soja não transgênica, dependendo da região, custo de produção que está próximo dos transgênicos.

Segundo dados da Céleres Consultoria, o produtor gasta, em média, R$ 1.674 para plantar um hectare de soja convencional. Para plantar o mesmo hectare com uma semente geneticamente modificada de primeira geração tolerante a herbicida, o produtor gasta R$ 1.668. Para uma semente tolerante a herbicida com resistência a insetos, o custo sobe para R$ 1.695 por hectare.

– A gente usou a ferramenta da transgenia até um certo ponto. Hoje, a gente viu que os custos estão mais ou menos iguais. Então, a gente volta a plantar da convencional com o prêmio, dá um diferencial no final da safra. Se for passar a régua, você vai ver que a convencional tem dado vantagem. E a transgênica não tem trazido aquele ganho de produtividade que a gente esperava há uns anos atrás – afirma o produtor Altemar Kroling.

Para o diretor da Céleres Consultoria, Anderson Galvão, nem todo agricultor consegue compensar as vantagens que ele teria de plantar soja transgênica com esse prêmio.

– É uma decisão muito peculiar. Mas para um produtor que está perto de uma indústria, que tem capacidade de armazém, de manter segregado esse produto, a soja convencional acaba sendo um nicho de mercado. Como é nicho, tende a ocupar áreas pequenas – diz Galvão.

Produção de não transgênicos é destaque

Se, por um lado, a área com transgênicos cresce a cada ano e o Brasil está entre os grandes produtores de grãos, por outro lado, com adoção dessa tecnologia, o país se destaca no cultivo de não transgênicos.

– Na medida em que o Brasil consolida sua soja transgênica, a gente observa o surgimento e a consolidação também dos programas de fornecimento de soja livre de transgênico. A gente entende que esse é um nicho de mercado que existe com atendimento a mercados específicos, Japão, Coreia, países de parte da Europa, e algumas regiões e alguns produtores do Brasil têm condições técnicas de logística, infraestrutura, de usufruir desse nicho de mercado – afirma o diretor da Céleres Consultoria.

Para o diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange), Ricardo Sousa, o país é líder na produção de não transgênicos.

– O Brasil conseguiu manter um nível grande de não transgênico e hoje é o país líder na produção de não transgênico, quando outros países produtores, também concorrentes do Brasil, como Argentina e Estados Unidos, perderam essa habilidade.

Potencial para exportação

O mercado de não transgênico atrai também o estrangeiro. O Brasil exporta cerca de seis milhões de toneladas soja não transgênica por ano, atraindo países como a China, por exemplo. Aliás, no ano que vem, o país asiático quer comprar dez milhões de toneladas. Mas, para isso acontecer, o Brasil teria que aumentar a produção em 170%.

Os dados são da Abrange, e mostram que o mercado não transgênico está muito aquecido e pode aumentar ainda mais. A Abrange pede para que os agricultores se cadastrem na entidade, o que facilita o acesso de empresas interessadas em comprar grãos sem alteração genética.

– Uma coisa é o que é produzido no campo e outra coisa é o que é colhido e aproveitado do não transgênico. Hoje nós falamos entre cinco e seis milhões de toneladas que nós conseguimos certificar e garantir que não é transgênico com uma contaminação abaixo de 0,01% por transgenia, ou seja, é uma exigência bastante complexa que o mercado europeu impõe, mas a gente atende a essa demanda – garante o diretor executivo da associação, Ricardo Sousa.

Produção transgênica versus convencional

Uma das maiores companhias de grãos do país, a Caramuru Alimentos, é especializada na produção de farelo e óleo de soja. A matéria prima utilizada é 100% não transgênica. Toda a linha de produção passa por um controle rígido, segundo o vice-presidente da companhia, Cesar Borges de Souza.

– Você tem que fazer análise, você faz, por exemplo, no caso da semente, tem uma empresa certificadora que é a maior certificadora do mundo em certificação de não transgênico, você faz por estatística, certeza absoluta, não é que você tenha, mas você vai medindo nos vários pontos, você tem técnico que vai conferindo, você tem a certificação, a auditoria, isso não termina só na semente, depois as empresas que recebem produtos não transgênicos tem que fazer análise de caminhão por caminhão, é bastante sofisticado e trabalhoso esse tipo de garantia que, no final, dá ao seu cliente europeu.

Para alguns especialistas, os produtores precisam levar em conta uma série de fatores para decidir pelo plantio da soja convencional ou da soja geneticamente modificada.

– Existe uma vantagem para se trabalhar com o não transgênico. É um mercado especial. Obviamente que, se todo o Brasil virar para não transgênico, certamente não teremos esses prêmios que temos atualmente. Mas eu acho fundamental que o produtor agrícola possa ter a opção da escolha. Que o consumidor possa ter a opção da escolha. Então, a escolha naturalmente se dará após uma análise e a gente ajuda o produtor a fazer essa escolha – diz Cesar Borges de Souza.

Para o diretor executivo da Abrange, a escolha não apenas de mercado, mas de necessidade agronômica.

– A questão de ideologia tem mais a ver com o mercado consumidor porque o que passa na cabeça de uma pessoa de não gostar de uma tecnologia ou outra são variadas. Agora, no nosso caso, que estamos no campo plantando e colhendo, a gente tem aí uma decisão de negócio e agronômica para saber se uma tecnologia está atendendo a nossa necessidade.

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