A demarcação do território de 1,7 milhão de hectares colocou em conflito cerca de 19 mil indígenas de quatro etnias que vivem na região e produtores de arroz. Se a ação for acolhida, os agricultores poderão permanecer e deverá ser feita uma nova demarcação. O assunto é cercado de polêmica e divide opiniões até mesmo dentro do próprio governo.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, por exemplo, é um dos defensores da demarcação como foi definida: uma faixa contínua, com prazo para que os não-índios deixem a região. Na terça, dia 26, o ministro voltou a se manifestar sobre o assunto, dizendo que o procedimento está de acordo com o que foi feito até hoje para a demarcação de territórios indígenas no país. Segundo Genro, o julgamento trata de uma situação que estaria estabilizada.
O presidente da Funai, Márcio Meira, endossa o discurso e defende a manutenção da política indigenista do governo federal e descarta riscos à soberania nacional. Em entrevista ao Estúdio Rural, na terça, dia 26, ele defendeu que a decisão seja tomada com bom senso e respeito aos direitos constitucionais dos índios.
A decisão do governo tem o apoio também de organizações não governamentais que atuam na região da reserva e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que também atua em questões agrárias e indigenistas.
? Os índios pleiteiam há muitos anos uma área que é deles e estudos antropológicos já demarcaram essa área ? argumentou o presidente do Conselho Indigenista Missionário, o bispo Dom Erwin Krautler, no Campo Online, edição das 15h, na última segunda, dia 25.
Militares e políticos locais
De outro lado, oficiais das Forças Armadas e o próprio Ministério da Defesa se manifestaram de modo contrário às condições definidas pelo decreto. Entre os principais argumentos, está o dos riscos à segurança nacional, com uma possível situação de vulnerabilidade em áreas de fronteira, o que é contestado por defensores da demarcação contínua da reserva indígena.
O próprio comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno de Freitas, chegou a classificar a política indigenista do país como lamentável. Na opinião dele, a ação vai totalmente contra a própria história do país e precisa ser revista com urgência. Heleno é crítico da separação entre índios e não-índios.
A favor dos produtores rurais, estão prefeituras da região e o próprio governador de Roraima, José de Anchieta Filho. O principal argumento é o de que a retirada dos produtores de arroz da área da reserva causaria grandes prejuízos econômicos, já que a cultura representaria 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado.
Outra alegação é de que grande parte do território de Roraima já é definida como território indígena ou área de preservação. Desta forma, o Estado não teria espaço para desenvolver-se.
Jurisprudência
No meio jurídico, é uma opinião quase de consenso que a decisão a ser tomada nesta quarta terá influência sobre outros processos de demarcação de terras indígenas no país.
? Tenho a impressão de que, independentemente do resultado, esse julgamento vai balizar critérios para a demarcação de terras de fronteira e a participação dos estados nesse processo. O julgamento vai ser rico nesse tipo de orientação – disse o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.
Marco Aurélio Mello acrescentou:
? Sem dúvida alguma, se o Supremo fixar que a demarcação deve ser setorizada por ilhas, evidentemente, isso se estenderá a todo o território nacional.
Com a possibilidade de ser criada a chamada jurisprudência sobre o assunto, produtores rurais de outras regiões onde são feitos estudos da Fundação Nacional do índio sobre demarcação de territórios indígenas manifestaram certa insegurança. Caso do Estado de Mato Grosso do Sul, alvo de portarias publicadas pela Funai.
O presidente do Movimento Nacional dos Produtores Rurais, João Bosco Leal, disse nesta terça ao Mercado e Companhia, que os documentos da Funai abrangem 30% do território do Estado e 70% da área produtiva. Segundo ele, Ong’s internacionais estão interessadas nas demarcações, como forma de prejudicar a expansão do agronegócio brasileiro.
? Hoje, toda a população tem essa exportação, essa geração de empregos da agricultura brasileira em 60 milhões de hectares, entre a lavoura de grãos e lavouras permanente, como cana e laranja. E já temos 102 milhões, praticamente o dobro, nas mãos de indígenas ? argumentou.
Conflito
Outra preocupação é com possíveis conflitos que podem ser iniciados na região depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Na terça, dia 26, lideranças indígenas e integrantes do Movimento Sem Terra (MST) lideraram protestos a favor da legalidade da demarcação contínua do território. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, uma pessoa foi detida durante as manifestações.
Indígenas, especialmente os que vivem na região do distrito de Surumu, disseram temer conflitos com agricultores. Alegaram ter avistado “pessoas estranhas” rodeando aldeias. Preventivamente, a Polícia Federal reforçou o contingente para garantir a segurança. Homens da Força Nacional de Segurança também estão na região.
Mesmo temendo conflitos, os índios deixam claro que não vão deixar a reserva Raposa Serra do Sol mesmo que o Supremo Tribunal Federal determine uma mudança na demarcação do território.
? O STF pode tomar decisão de qualquer forma que seja, mas aquela terra ali nós vamos continuar ocupando. Os povos indígenas não vão sair de lá, sendo [a demarcação] em área continua ou em ilhas. A gente não vai aceitar limite de arrozeiro ou alguém que queira limitar nossa terra ali ? disse o coordenador-geral do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), Dionito José de Souza.