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Agricultura

Desde o início da guerra, preço do trigo subiu quase 29%

Diante do conflito envolvendo dois grandes players do mercado mundial de trigo, preocupação está no aumento da demanda, diz analista

A invasão russa à Ucrânia gerou altas expressivas nas cotações do trigo ao redor do mundo. Em Chicago, os preços se aproximam dos maiores níveis da história. Desde a madrugada de 24 de fevereiro, quando começou a invasão russa, os preços já subiram quase 29%.

Segundo o analista da Safras & Mercado, Élcio Bento, a alta ocorre porque o conflito é na região que concentra os maiores excedentes exportáveis de trigo do mundo. “A saída desses países do comércio internacional obrigará um redirecionamento da demanda para outros grandes fornecedores. Com os Estados Unidos, da mesma forma que o Canadá, estão com quadros de oferta e demanda bastante ajustados na temporada 2021/22, uma eventual procura maior pelo cereal, gera impacto direto nas cotações em Chicago”, disse.

Nesta quinta-feira (3), os preços do trigo voltaram a fechar em forte alta. Os contratos com entrega em março de 2022 eram cotados a US$ 11,34 por bushel, valorização de 7,08%, em relação ao fechamento anterior. Os contratos com entrega em maio de 2022 eram negociados a US$ 11,16, por bushel, alta de 7,2%.

O analista observa que o quadro é de “total incerteza”. Os agentes seguem atentos às sanções ocidentais contra a Rússia, que, diante da gravidade dos atuais eventos, devem ser mais severas que as impostas em 2014.

Trigo
Foto: Débora Fabrício/Canal Rural

Rússia e Ucrânia juntas produzem 14% do trigo global e fornecem 29% de todas as exportações de trigo. Com a produção da safra nova em andamento, além dos lotes remanescentes de exportação da atual temporada, o mercado já passa a digerir os impactos sobre a produção e comercialização da safra nova. “As perspectivas de produção para as safras de trigo de inverno da Rússia e da Ucrânia eram bastante favoráveis, com aumento de área e clima. Agora o cenário é de incerteza”, ressaltou.

Outro ponto de atenção é que dependendo do período em que as tropas russas seguirão no país, tanto as vendas de trigo da atual temporada, com os portos fechados, quanto a oferta da próxima safra podem ser comprometidas.

Impacto para o trigo no Brasil

O Brasil não importa grandes volumes de trigo russo e nem a Ucrânia está entre os fornecedores do cereal aos moinhos brasileiros. Ainda assim, a guerra envolvendo os dois países do Mar Negro tem impacto sobre o mercado brasileiro, como destaca Élcio Bento. O analista destaca que o corte da disponibilidade de trigo exportável e a manutenção da demanda firme, uma vez que o grão é um alimento de consumo diário em praticamente todo o mundo, fazem os preços se elevarem globalmente. Sem o maior e o quarto maior vendedor do produto, os compradores buscam alternativas.

A Argentina, que na atual temporada brasileira – entre agosto de 2021 e janeiro de 2022 – forneceu mais de 90% dos 2,6 milhões importados e que, recentemente, colheu a maior safra de sua história está entre essas alternativas. Os primeiros impactos da alta das cotações nas Bolsas norte-americanas e em outros fornecedores já são sentidos no trigo argentino. A base de venda, que antes do início da guerra estavam em torno de US$ 300/tonelada, atualmente está por volta de US$ 320/tonelada (6,7%).

De qualquer forma, os reflexos da alta de preços gerada pela guerra chegarão aos agentes do mercado doméstico de trigo via paridade com as cotações do mercado externo. O preço pago ao trigo importado será o preço alvo da pedida dos fornecedores locais.

“Pode-se dizer que essa paridade com o exterior é a linha de resistência para a elevação do trigo no Brasil: a partir desse ponto é mais interessante comprar no exterior. Também é importante lembrar que o Brasil, em especial o Rio Grande do Sul, tem se firmado com um exportador do cereal”, disse.

Na atual temporada 21/22, estima-se que mais de 2 milhões dos 3,42 milhões de toneladas da safra gaúcha irão para o exterior. “Assim, a paridade de exportação passa a ser uma referência para a formação de preços e o ponto de suporte para as cotações no Brasil. É o menor preço que o moinho local pode pagar pelo grão. Se não pagar, a válvula de escape via exportação se abre. Diante dessa lógica de formação de preço, o comportamento cambial é uma das variáveis mais importantes”, destacou.

Antes do início da guerra na Ucrânia, no dia 23/02, a moeda norte-americana chegou a fechar em R$ 5. No mesmo dia, a indicação de compra nos portos argentinos era de US$ 280/tonelada. Nesse cenário o cereal argentino chegaria aos moinhos da grande Curitiba//PR, por exemplo, por volta de R$ 1.670. Ainda nesse exemplo, o produtor no FOB interior, teria que vender por volta de R$ 1.580/tonelada, dependendo da localização do produto. Atualmente as tradings não têm indicado base de compra. A uma indicação nominal de US$ 305/tonelada (+7,4%), com o dólar de R$ 3,15 (+5%), o custo de importação subiria para R$ 1.830/tonelada e a paridade no interior para R$ 1.750/tonelada. Ou seja, a movimentação dessas duas variáveis elevou a paridade de importação em R$ 170/tonelada.

Conforme o analista, esses são apenas balizadores de mercado e não se refletem o reporte de negócios. “O mercado doméstico está travado. Os compradores, abastecidos e sem necessidade de aquisições imediatas, preferem aguardar uma definição do conflito no Mar Negro. Os produtores estão concentrados na safra de verão e, olhando para forte alta das cotações internacionais, acreditam em momento mais oportunos para negociar na entressafra. O que fica claro, no entanto, é que a cadeia produtiva não passará imune à guerra na Ucrânia. Os preços tendem a subir e se ajustar à realidade internacional”, disse.

Esse ajuste, de acordo com Bento, é positivo para o produtor que ainda possui lotes da safra velha para negociar. Por outro lado, a safra nova pode ser bastante complicada. Isso porque a Rússia é um dos maiores fornecedores das matérias-primas dos fertilizantes.

“Se existir disponibilidade desse insumo no mercado, o custo será elevado. Ou seja, o produtor terá que desembolsar mais para produzir. A conta fica ainda mais complicada ao produtor se, no momento da comercialização, o mercado internacional já tiver se normalizado e devolvido o atual prêmio de risco gerado pela guerra”, finalizou.

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