Na propriedade de Marcelo Pasqua já são três gerações trabalhando com a terra em Guaxupé, Minas Gerais. Hoje Marcelo planta 1.500 hectares de café, que rendem uma produção de 30 sacas por hectare. Mas os custos da lavoura são altos e metade deles pagam mão de obra. São 250 funcionários fixos e mais 300 temporários. Há oito anos eram 1200 temporários.
– Os fixos têm carteira assinada, exame admissional, demissional, cursos, fornecimento de IPIs (equipamento de proteção individual). O custo acaba sendo maior com os temporários, que têm a rescisão, despesas com médico, etc., num tempo curto – relata o produtor.
Segundo ele, são as exigências trabalhistas que explicam a redução de pessoal
– Parece que temos mais exigências em transporte e segurança que não existem na urbana. É comum os trabalhadores rurais não terem as mesmas assistências. É um trabalho pesado, por isso é mais sacrificado que outros mas pense, por exemplo, em um lixeiro, nunca vi ninguém reclamar que tem trabalho pesado. Não tem norma pra ele, não tem banheiro pra ele. Então temos mais exigências que os outros trabalhadores.
A legislação trabalhista é a mesma para o empregado da cidade e do campo. Mas não deveria, na opinião do presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Gustavo Diniz Junqueira.
– Primeiro porque você não pode adaptar uma legislação que foi pensada, estudada ao longo do tempo para ser aplicada à cidade – onde você tem toda uma regra de horário, funcionamento do comércio, indústria -, e levar para uma atividade que é completamente diferente – diz Junqueira.
O presidente da SRB cita como exemplo a época da colheita, que possui uma janela de tempo para ser realizada que depende do clima.
– Naquela janela você tem que acelerar o máximo, para diminuir o risco climático. Se você está colhendo soja ou algodão e tem incidência de chuva, vai atrapalhar. Obviamente você vai pedir que seu funcionário trabalhe de maneira mais intensa naquele período. Pode-se contratar mais gente para que esta intensidade seja diminuída, mas o fato é que quando você contrata mais gente está gerando ineficiência. É um período curto, de 10 ou 15 dias, e logo em seguida não tem mais atividades para aquele funcionário. Dada a legislação trabalhista que nós temos, demitir um funcionário custa muito caro e isso gera custos – explica Junqueira.
Alternativas
A questão trabalhista é um dos grandes desafios no campo. Os direitos e deveres são os mesmos na cidade e também na área rural. Mas já existem mecanismos que podem ajudar tanto patrão quanto empregado a melhorar essa relação.
Em Piracicaba, interior de São Paulo, há seis anos os plantadores de cana-de-açúcar criaram Consórcio Central de Produtores Rurais, uma empresa que funciona como um condomínio responsável por contratar mão de obra para colheita. O Consórcio conta com 600 funcionários, todos com carteira assinada, a grande maioria vinda do Nordeste.
– É um período de uma safra que em cincou ou seis meses a gente arruma algum dinheiro, dá pra você manter a família lá e levar algum trocado também. Ainda tem a casa, a cesta, alimentos e várias coisas a favor da gente né? – diz o cortador de cana José Carlos Bezerra.
O condomínio não deixa de cumprir todas as exigências, mas deixa o produtor mais tranquilo.
– O consórcio é a melhor e única alternativa que existe, traz para o produtor o conforto da legislação cumprida e uma documentação coerente. O fornecedor tem dentro deste consórcio a garantia das obrigações cumpridas e a fiscalização do Ministério do Trabalho, que todo ano passa e verifica a documentação – explica o gerente do Consórcio Central de Produtores Rurais, José Francisco da Silva Filho.
Foi esta segurança jurídica que há três anos atraiu o o produtor João Edson Arthur para o Consórcio. A vantagem também é financeira. Antes era a própria usina que colhia a cana e, para isto, desembolsava R$ 25 por tonelada. Com o Consórcio, o custo ficou em R$ 18 por tonelada.
Falta diálogo
Se o modelo deu certo para a cana-de-açúcar, na citricultura uma decisão judicial colocou em cheque um mecanismo antigo de contratação: a terceirização! Em 2014, as indústrias de suco de laranja foram condenadas a contratar todos os trabalhadores envolvidos na cadeia, desde o plantio até a colheita, trabalho que era realizado até então de forma terceirizada.
– O problema da terceirização é que ela é estigmatizada pelo Ministério Público, pelo Ministério do Trabalho e pelos sindicatos. Eles veem este modelo de prestação de serviços como forma de precarização de mão de obra, como se o trabalhador fosse excluído dos seus direitos. Na verdade não é isto. O empregado de uma empresa que presta serviços terceirizados têm os mesmos direitos. Melhorar isto poderia ser por uma questão de segurança jurídica para que o setor rural tivesse um modelo mais fechado de contratação – analisa o advogado trabalhista Aulo Sérgio João.
Para o presidente da SRB, o que falta é diálogo entre as partes.
– Você tem o Ministério do Trabalho e o Ministério Público com uma visão de imposição, de fazer com que a relação empregado e empregador seja alterada na marra; e tem a visão do produtor rural, do empresário do agronegócio, que não pode alterar sua dinâmica dos negócios por questões práticas, como a colheita. Então o que está faltando é diálogo. É o entendimento entre quem legisla e quem pratica o negócio. Ainda falta construir esta ponte – diz Junqueira.
Propostas
Construir esta ponte é o objetivo do documento Plano de Ação do Agronegócio, elaborado por especialistas do projeto Plano de Governo, a convite do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. O documento, que será entregue aos candidatos à presidência da República, traz entre suas propostas:
• Adequação da legislação trabalhista à realidade atual do agronegócio;
• Capacitação de profissionais para trabalhos especializados no campo;
• Apoio aos pequenos produtores via crédito, seguro rural e assistência técnica;
• Medidas de apoio à educação, profissionalização, capacitação e acesso à tecnologia;
• Melhorias das condições de vida no meio rural.
O tema de segurança jurídica no campo é coordenador pelo diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Antônio Pinazza, que reforça que é importante que os legisladores tenham uma percepção mais clara da realidade do campo.
– O campo exige normas trabalhistas mais flexíveis, contrato. O tempo da cidade é diferente do campo, as demandas de uma lavoura são diferentes do trabalho urbano. Então é preciso enxergar esta contextualização e, a partir daí, o Brasil ter a criatividade de estabelecer leis e regras justas, sem prejudicar as economias locais – aponta Pinazza.
• Reveja a primeira reportagem da Série Segurança Jurídica, sobre legislação ambiental
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