MP dos Portos se torna alvo de disputa

Trabalhadores ameaçam com greve e empresários negociam a adaptação de novas regras para áreas leiloadas antes de 1993Ao editar a Medida Provisória 595, para elevar a competitividade aos portos brasileiros, a presidente Dilma Rousseff mexeu em um vespeiro que envolve interesses privados, regalias históricas e cifras bilionárias. Faltando menos de 60 dias para que o texto seja votado pelo Congresso ou perca a validade, o governo costura com sindicatos e empresários emendas para amenizar a rejeição às mudanças.

Categoria com até 80 mil pessoas, conforme a Força Sindical, os portuários querem derrubar o dispositivo que permite a contratação, por gestores de terminais privados, de empregados avulsos sem usar o Órgão Gestor de Mão de Obra. Os sindicatos dizem que a MP fere direitos e pode derrubar o padrão salarial da categoria, pois os novos trabalhadores não terão os mesmos benefícios e serão contratados pelas regras da CLT. E os portuários temem que a permissão para operadores privados atuarem com cargas de terceiros tire negócios dos terminais públicos, já que terão estrutura mais enxuta e custos reduzidos.

– Se não houver isonomia de custos entre os terminais, muitos públicos acabarão quebrando e trabalhadores serão dispensados – diz o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho.

Representantes dos portuários e líderes do governo nesta terça, dia 19, no Senado. Se não houver acordo, os trabalhadores prometem parar por 24 horas na próxima segunda, dia 25.

Em 22 de fevereiro, os estivadores cruzaram os braços por seis horas para protestar contra a MP. O governo não demonstra intenção de aceitar o pedido dos sindicatos, mas poderá negociar itens, como pagamento de valor mínimo a trabalhadores de terminais privados.

Mesmo os administradores de terminais querem mudar alguns pontos da MP. Embora apoie a maior parte das mudanças, a Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) negocia a adaptação às novas regras dos contratos de áreas leiloadas antes da criação da Lei de Modernização dos Portos, em 1993. Parte desses contratos está vencido ou por vencer, e há os que operam com liminares, já que não houve acordo para a prorrogação.

– Há pelo menos 27 terminais nesta situação no Brasil, com bilhões em investimentos trancados por causa da indefinição jurídica – afirma o diretor-presidente da ABTP, Wilen Manteli.

País é 135º em eficiência portuária

Apesar das polêmicas em torno da MP, é consenso que o serviço dos portos, por onde passam 95% das exportações do país, precisam melhorar. Desde que a Lei de Modernização dos Portos foi editada, em 1993, uma série de decretos e intervenções envolvendo contratos de concessão tornou os investimentos em terminais portuários menos seguros, prejudicando a expansão do setor, na análise da ABTP.

Essa situação ajuda a colocar o Brasil em má colocação em levantamentos internacionais de eficiência portuária. Na versão 2012/2013 do relatório de competitividade global do Fórum Econômico Mundial, que avalia a infraestrutura portuária de 144 países, o Brasil aparece na 135ª posição, em decorrência da burocracia alfandegária, demora na movimentação de mercadorias e falta de acessos rodoviários e ferroviários nos portos.

– O porto público vai ser obrigado a aprimorar suas operações e sua gestão para sobreviver no novo mercado. A competição será benéfica – avalia o gerente de infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Wagner Cardoso.

Editada em 6 de dezembro do ano passado, a MP dos Portos pretende viabilizar R$ 54,2 bilhões em investimentos até 2017. Conforme o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), relator da MP, o relatório deve ser apresentado na comissão mista que analisa o assunto em 3 de abril e ir à votação no dia 10.

A sanção da presidente Dilma Rousseff precisa ocorrer até meados de maio. Até agora, a MP recebeu 645 emendas.

Raiz do conflito
O que a Medida Provisória 595 estabelece para o novo marco regulatório do setor portuário:

A partir das novas diretrizes, o governo federal prevê a licitação de 159 áreas, sendo 42 novas e 117 referentes a contratos de arrendamento que venceram ou vencem até 2017.

O texto muda o critério para escolher o vencedor dos leilões. Antes, ganhava a empresa que pagava o maior valor pelo direito de explorar a área, chamado de outorga. Agora, o governo levará em conta o maior volume de carga e o menor preço cobrado pelo serviço.

Publicada em dezembro, a MP tramita no Congresso. A proposta recebeu mais de 600 emendas.

Os pontos mais polêmicos

Terminais privados operando com cargas de terceiros
A MP autoriza terminais privativos a movimentar cargas de terceiros, o que só era permitido mediante autorização da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Há o temor de que, pela eficiência e possíveis tarifas mais baixas, os terminais privados façam o embarque e desembarque da maior parte das cargas, esvaziando os portos públicos.

Contratos de arrendamento anteriores a 1993
A lista de áreas que devem ser licitadas traz terminais leiloados antes da criação da Lei dos Portos, em 1993, cujos contratos estão vencidos ou prestes a vencer. A MP criou dúvidas sobre a prorrogação dos compromissos. Para evitar disputas judiciais, o governo federal estuda prorrogar os vínculos por 10 anos.

Contratação de mão de obra direto pela empresa
A MP desobriga os terminais privados de contratar funcionários por meio do órgão gestor de mão de obra, o Ogmo, como ocorre nos portos públicos. O Ogmo é uma entidade sem fins lucrativos, responsável pelos trabalhadores portuários avulsos. Sindicatos alegam que a mudança implicará na redução dos postos de trabalho e dos salários dos portuários.

Decisões centralizadas em Brasília
A MP esvazia o poder de Estados e autarquias na administração dos portos públicos. Decisões como novos contratos de arrendamento e licitações de áreas passarão pela Secretaria de Portos e pela Antaq.

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