Ecos e lições do crash de 1929

As crises norte-americanas de 1929 e 2008 têm muito em comum na origem. Ambas começaram com o estouro de bolhas especulativas, que tinham no centro a euforia consumista da classe média, e cresceram graças à falta de fiscalização do Estado sobre os mercados. Mas os 80 anos que nos separam do crash da bolsa de Nova York ensinaram algo a governo e investidores e os efeitos desta vez não devem ser tão devastadores nem duradouros. Compare:

1929

Antecedentes
? Impulsionado por um vertiginoso crescimento econômico, os anos 20 são de euforia nos EUA. Com juros baixos e empréstimos fartos, o país dobra a produção industrial a assiste à ascensão da classe média.
? São essas pessoas que se sentem atraídas pela facilidade para investir em ações. Os títulos podem ser adquiridos a prazo, com uma entrada de 10%, e renegociados a partir do pagamento da primeira parcela. Isso leva os investidores a assumir cada vez mais dívidas para aumentar seus portfólios de ações.

O estopim e as bolsas
? Após atingir suas cotações máximas em 3 de setembro, o preço das ações (que mais do que dobrara desde 1925) começa a cair, ajustando-se ao valor real das empresas. A venda maciça de títulos continua até 29 de outubro, a Terça-Feira Negra, quando a desvalorização na bolsa de Nova York atinge 20,4% ? índice que só seria superado em 1987.
? O pânico toma conta, pois milhares de famílias empenharam todo o patrimônio em ações. Os mais desesperados jogam-se dos altos prédios de Nova York.

Conseqüências
? O mundo mergulha numa recessão conhecida como a Grande Depressão, que dura 15 anos. Empresas vão à bancarrota em profusão, 9 mil bancos pedem falência. As linhas de crédito quase desaparecem e a economia real é fortemente afetada. Milhões perdem seus empregos (25% da população americana).
? As importações de alimentos e matéria-prima pelos EUA caem 70%. A produção industrial encolhe 46%, assim como o PIB, arrastando economias da América Latina, da Ásia e da Europa.
? Surgem em todo o mundo mecanismos de amparo social, como seguro-desemprego.

Mecanismos de controle
? Os governos se limitam a controlar o câmbio e a moeda. Não há dispositivos de defesa contra altas e baixas acentuadas no mercado financeiro.

Pensamento econômico
? No início do século 20, a crença econômica é de que a oferta pode criar a própria procura. Desde que se produza, o mercado encontrará uma forma de se auto-regular. Após o desastre de 1929 (no qual o governo não interveio), ganham força as teorias de John Keynes, que defende a intervenção do Estado, com investimentos pesados em obras públicas para diminuir o desemprego. Essa política passa a ser adotada a partir de 1933, com Franklin Roosevelt na presidência dos EUA.

Brasil
? O país já vive uma crise com a baixa dos preços do café (que representa mais de 60% das exportações) causada por supersafras. Com os maiores compradores mergulhados na pobreza, a situação se agrava. Tentativas de controlar os preços, como a queima do produto, fracassam.
? O impacto econômico do crash de 29 de outubro é uma pá de cal no antigo sistema econômico, precipitando a queda da Velha República e o advento da industrialização do país.

2008

Antecedentes
? Após anos de prosperidade, os Estados Unidos vivem um momento de pujança econômica, tendo a classe média no centro.
? Desde o início da década, empréstimos imobiliários e outros créditos de alto risco (subprime) são concedidos a juros baixos a pessoas com histórico de maus pagadores. Bancos vendem esses créditos a outros bancos e usam o dinheiro para conceder mais financiamentos.
? À medida que os bancos aumentam a oferta de títulos lastreados em hipotecas, as empresas de crédito imobiliário também engordam suas carteiras de clientes, exigindo cada vez menos garantias, para atrair o dinheiro dos fundos.

O estopim e as bolsas
? Sem dinheiro para quitar as dívidas, os clientes começam a dar calotes em março de 2007, derrubando a bolsa de Nova York. O primeiro susto vem com os prejuízos do banco Bear Sterns em fundos de alto risco, anunciados em junho do ano passado.
? O banco central americano adota medidas como injetar dinheiro na economia, ajudar famílias insolventes e reduzir a taxa de juros. Mas os grandes bancos têm prejuízos significativos, como o Citigroup em novembro de 2007. O ápice é a quebra do Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos dos EUA, em 15 de setembro. Neste dia, as principais bolsas do mundo têm perdas bruscas. Em Nova York, de 4,42%. Em São Paulo, 7,59%.
? Desde então, mais de 25 instituições nos EUA e na Europa quebram, recebem dinheiro público, são nacionalizadas ou compradas por outras antes de irem à bancarrota.

Conseqüências
? As conseqüências da atual crise não devem ser tão devastadoras como em 1929, e a recuperação deve vir em dois ou três anos. O crescimento negativo não deve superar 1% do PIB.
? A contaminação da economia real, no entanto, ainda é uma incógnita. Os primeiros efeitos são a retração do crédito, que deve frear investimentos e levar à recessão.

Mecanismos de controle
? A intervenção ainda é mínima e a liberdade, excessiva. A falta de fiscalização é apontada como uma das causas da atual crise.
? Por outro lado, o governo tem mais instrumentos para intervir, e maior compreensão de que isso é necessário.

Pensamento econômico
? Vigora ainda o conceito de livre mercado. A economia americana se baseia na interferência mínima do Estado. Foi por isso que o Tesouro não socorreu o Lehman, e é por isso que o pacote de ajuda aos bancos foi rejeitado pela Câmara dos Deputados.

Brasil
? Resguardado por um sistema financeiro mais rígido, em que a concessão de empréstimos é mais criteriosa e exige mais garantias, o Brasil não corre o mesmo risco dos EUA, mas deve sentir a retração nas importações americanas. O maior problema deve ser a falta de crédito, já que várias empresas (especialmente as exportadoras) fazem empréstimos no Exterior.