Agricultura

A menos de um ano das eleições, Trump tenta manter voto de agricultores

Os produtores americanos estão perdendo um de seus mais importantes compradores, a China, e o receio é de que parte do mercado não seja reconquistado

Donald Trump, EUA, Estados Unidos
Mais de 75% dos produtores rurais votaram em Donald Trump na última eleição, segundo o jornal Washington Post. Foto: Isac Nóbrega/PR

David Adcock se define como um “velho republicano da era Ronald Reagan”, mas não pretende sair de casa em novembro de 2020 para reeleger Donald Trump. Fazendeiro de soja e milho, ele já dedicou 40 dos seus 68 anos à produção dos grãos no estado de Illinois, e diz que tudo piorou desde o início da queda de braço do presidente americano com a China. “Eu sabia que, se essa guerra comercial não acabasse no final do primeiro ano, não acabaria nunca.”

Ao anunciar que os EUA vão impor tarifas ao aço e alumínio do Brasil e da Argentina, em uma medida que gerou perplexidade até mesmo dentro do governo americano, Trump disse que os fazendeiros do país estão sofrendo com a desvalorização da moeda dos sul-americanos. Mas, segundo Adcock, essa passa longe de ser a maior preocupação do Meio-Oeste dos EUA. “A guerra comercial com a China é muito mais preocupante. Não sei se os fazendeiros realmente olham para a desvalorização da moeda”, afirmou.

A menos de um ano das eleições, a Casa Branca monta uma ofensiva para manter o voto republicano em estados predominantemente agrícolas, nos quais produtores estão insatisfeitos com a prolongada guerra comercial com a China, que atingiu em cheio a demanda americana.

Com o anúncio de tarifas a outros exportadores de commodities, Trump envia aos agricultores americanos a mensagem de que há mais fatores que prejudicam as exportações além de sua batalha com Pequim.

Até agora, o USTr, autoridade comercial dos EUA, não divulgou a proclamação das tarifas sugeridas por Trump ao Brasil e à Argentina. De acordo com fontes, o governo ainda discute como tornar o tuíte do presidente uma medida oficial, já que o americano atropelou o processo tradicional nestes casos.

“No caso do Brasil e da Argentina eu não vi nenhum estudo sugerindo que estão manipulando a moeda para tirar uma vantagem comercial. Ninguém sabe de onde o presidente tira essas ideias”, afirma Roger Johnson, presidente da União Nacional dos Fazendeiros.

A dificuldade de implementação da tarifa sobre o aço brasileiro – cuja tentativa, em 2018, gerou reação da própria indústria americana – é apontada por analistas como uma das razões para que ações de empresas brasileiras ligadas à produção de metais tenham fechado em alta mesmo depois do anúncio feito por Trump. “O mercado sabe que é difícil implementar uma tarifa desta maneira, porque gera aumento de custos para o próprio consumidor americano”, afirmou Tarso Veloso, analista baseado em Chicago da ARC Mercosul, uma consultoria de commodities.

Eleitorado

O campo é um eleitorado essencial para Trump. Para ganhar a reeleição, a campanha do republicano espera manter o apoio em Iowa, Michigan, Minnesota e Ohio, com intensa produção agrícola.

Os americanos estão perdendo um de seus mais importantes compradores e o receio do setor é de que parte do mercado não seja reconquistado, mesmo com um eventual fim da guerra de tarifas. Trump chegou a anunciar a “fase 1” de um acordo comercial, mas, na semana passada, disse que a disputa pode se estender para além da eleição.

Os agricultores não são, em número, o eleitorado mais expressivo do republicano, mas estão localizados em áreas cruciais para ganhar na contagem dos votos no Colégio Eleitoral.

Em 2016, a democrata Hillary Clinton saiu vitoriosa no voto popular, com 2,9 milhões de votos a mais, mas a matemática das eleições americanas favoreceu Trump, que teve vitórias bastante apertadas em estados como Michigan e Wisconsin. Mais de 75% dos produtores rurais votaram em Trump na última eleição, de acordo com um levantamento feito pelo jornal Washington Post.

Parte dos agricultores menciona o dinheiro injetado pelo governo Trump na agricultura como uma medida positiva, apesar de não ser encarada como uma solução que se sustente no longo prazo. “O governo está tentando consertar nos dando dinheiro. Mas e quando isso parar? O que acontecerá?”, disse Adcock.

Em julho, o governo anunciou um novo pacote de ajuda de US$ 16 bilhões para os agricultores, afetados diretamente pela guerra comercial. No ano passado, o governo já havia oferecido US$ 12 bilhões ao setor.

Jim Quinton, de Illinois, trabalha com produtores rurais desde os anos 60. Ele já fez parte do Illinois Farm Bureau e trabalhou para empresas do setor, como o conselho da Bunge. Aposentado, ele hoje faz consultoria privada para pequenos agricultores. “O maior desafio é o rearranjo forçado dos planos de safra”, afirmou ele. Como só metade da soja americana é consumida internamente e as exportações sofrem com o embate direto com a China, os produtores tomam decisões, safra a safra, sobre a divisão das plantações.

O equilíbrio estabelecido pelo governo com o programa de pagamentos, segundo Quinton, é frágil. “Pode seguir por mais um ou dois anos, mas não por muito tempo”, afirmou. “O programa de facilitação de pagamento dá apoio e os fazendeiros têm fé de que as tarifas serão resolvidas, continuam a acreditar nisso, por mais penoso que esteja sendo. Eles estão sendo tolerantes, mas daqui a um ano ou dois podem não ser tão pacientes”, afirmou o analista de Illinois.

Subsídios

Com dados obtidos pela lei de acesso à informação americana, a associação Environmental Working Group cruzou a concessão dos subisídios com a base trumpista. A análise considera a alocação dos primeiros US$ 8 bilhões do programa. Mais de 2,6 mil condados, dos cerca de 3 mil nos EUA, receberam recursos do programa, mas mais dinheiro irrigou as regiões que votaram no democrata Barack Obama em 2012 e deram vitória a Trump em 2016.