Empresa de cosméticos muda conceitos de conservação ao fazer da fruta o sabonete

Como a Natura administra um sistema de parceria que leva frutos como o murumuru da floresta até a mão do consumidorUma comunidade quilombola distante quatro horas de Belém (PA), com pouco mais de uma dúzia de casas a maioria de pau a pique. Famílias cujas únicas fontes de renda, até bem pouco tempo, eram o feijão e a malva. Trabalhadores que conhecem de perto a riqueza da floresta, mas que nem sempre souberam, ou conseguiram, respeitá-la. Foi esse o cenário que a Natura, uma das marcas líderes em cosméticos no Brasil, encontrou há dois anos, quando decidiu investir na cultura do murumuru, fruto de uma palmei

A amêndoa

O murumuru ? a árvore ? corria o risco de desaparecer. Os espinhos que cercam seu tronco atrapalhavam a passagem dos produtores que se embrenhavam na floresta para colher o açaí ? outra cultura típica da região. Para acabar com o incômodo e facilitar o acesso, o murumuru era queimado, conta José Nogueira, o Zerito. Ele é um dos cinco trabalhadores da comunidade que fornece a amêndoa da palmeira para a Natura, fazendo com que o murumuru represente uma renda extra para Jacarequara.

É um processo em que ganha a floresta, ganha o trabalhador, com o aumento de sua renda, ganha a Natura e ganha o consumidor, com a possibilidade de conhecer um ativo da natureza brasileira por meio de um produto de qualidade. O caminho dessa parceria não foi tão tranquilo, e quem entende do assunto garante que ainda há muita estrada pela frente.

O relacionamento

O murumuru é cultivado por meio do extrativismo e, por conta disso, existe um limite no que pode ser retirado da natureza. Assim, a Natura mapeou as áreas onde havia maior concentração da palmeira e chegou a seis comunidades, com o auxílio de ONGs que atuam na região. Aí começava o trabalho mais difícil: vencer a desconfiança de trabalhadores com uma história de exploração que não raro resultou na queima da floresta para as práticas da agricultura ou da pecuária.

Os sinais dessa forma de operar ainda podem ser observados na região. A floresta é baixa e está crescendo aos poucos. A diferença é que, hoje, produtores como Zerito sabem que a melhor forma de se desenvolver é preservar a mata e buscar nela, de forma equilibrada, o seu sustento. Em dois anos, a Natura mapeou, capacitou e articulou parcerias para o desenvolvimento de comunidades como Jacarequara.

Marcos Vaz, diretor de Sustentabilidade da empresa, destaca os resultados:

? Isso gera trabalho, inclusão social e ajuda a manter a floresta em pé .

A autonomia

Mauro Costa, coordenador de relações com as comunidades de Benevides, onde fica a fábrica de sabonetes da Natura, diz que a capacitação dos moradores está longe de ser assistencialismo. É, na visão de Costa, uma especialização fundamental para manter o processo industrial da empresa ? com o cumprimento de prazos de entrega dos insumos ?, e para a comunidade, que se especializa para expandir seu mercado comprador.

? Temos de fazer esse trabalho para que o grupo se fortaleça e possa ser cada vez mais autônomo ? afirma Costa.

Os primeiros contatos, conta, seguiram um percurso que passou da desconfiança à harmonia. Hoje, dois anos depois, essa sintonia entre empresa e produtores pode ser conferida de perto, ao se observar a receptividade com a qual os técnicos são acompanhados nas visitas à comunidade.

O resultado

Os produtores comemoram a renda extra e o aprendizado adquiridos por meio da parceria. Até música contando a saga do murumuru ? de vilão à fonte de renda ? o pessoal de Jacarequara já compôs. Com o violão nos braços, os trabalhadores embalam as tardes de idas e vindas das crianças ao Rio Gaumá ? corrente a poucos metros da floresta de onde tiram seu sustento. Ali, num microuniverso onde dominam a tranquilidade e a simplicidade, está o início de uma cadeia industrial rentável e bem-sucedida. Uma expressão clara de que bem-estar e lucro podem formar uma equação de sucesso.