Apesar da orientação do Mapa, produtores têm dúvidas sobre a eficiência do método. Além disso, a produtividade menor da soja convencional desestimula o cultivo
Sebastião Garcia | Jaguapitã (PR)
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) anunciou a possibilidade de realizar reuniões nos Estados para informar aos produtores a necessidade de realizar o refúgio para sementes com tecnologia Bt. Muitos produtores ainda não adotaram essa prática. Os especialistas alertam para o risco dessa tecnologia perder eficiência por causa da resistência das pragas.
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O refúgio é como um seguro para a lavoura, lembra o entomologista da Embrapa Soja Daniel Sosa Gomez. Ele faz parte do chamado Grupo Técnico-científico de Manejo de Resistência (GTMR), criado recentemente pelo Mapa para monitorar a eficiência da tecnologia Bt no Brasil.
– É um seguro porque se todo mundo agir de maneira correta, os problemas serão minimizados – comenta.
Gomez acredita que o refúgio é uma forma eficiente para se evitar a evolução das populações de insetos resistentes à tecnologia Bt. Com o refúgio, pragas resistentes, como as lagartas, tão prejudiciais à soja, cruzam com outras suscetíveis, e aí geram insetos sem resistência.
– Nos Estados Unidos, por exemplo, a utilização do refúgio tem retardado bem o processo de evolução da resistência para algodão e para milho. Para soja, não. Porque só o Brasil iniciou este processo de soja resistente a insetos através da toxina Bt – explica o pesquisador.
O GTMR definiu em outubro alguns princípios e orientações sobre adoção da área de refúgio. Entre eles, o percentual da área. O Ministério da Agricultura entende que as recomendações das empresas detentoras da tecnologia estão adequadas para a safra 2014/2015. A área de refúgio para a soja é, no mínimo, 20%; milho é 10%; algodão, apesar de não ter uma recomendação das fabricantes, chegou-se a 20% da área.
O plantio da soja de refúgio pode ser feito numa área ao lado da soja Bt. Outra opção é em faixas ou, ainda, em volta da plantação. A semente indicada é a RR, que tem resistência ao glifosato.
Se o plantio for dentro de um sistema de pivô, a recomendação é que o refúgio fique no centro ou em uma faixa lateral. É importante que a distância entre refúgio e lavoura Bt não ultrapasse os 800 metros. Essa é a capacidade de distância do voo das mariposas, o que permite a reprodução dos insetos, segundo os pesquisadores.
Por enquanto, a adoção do refúgio é uma recomendação do Mapa. Não é obrigatória. A regulamentação sobre o tema não tem data para sair. Porém, segundo o coordenador do grupo de trabalho e diretor do Departamento de Sanidade Vegetal do Ministério da Agricultura, Luís Eduardo Rangel, dois pontos da norma já estão definidos.
– Primeiro, a contextualização do refúgio como uma medida, como uma ferramenta de manejo fitossanitário efetiva, reconhecida dentro da política de fitossanitária nacional. Segundo, a estruturação de um banco de dados, um cadastro único de agricultores para que a gente possa entender como que está essa adoção do refúgio de fato – pontua Rangel.
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Outra preocupação, diz o diretor, é com agilidade nas ações, ao menor sinal de resistência. Este ponto vai ser incluído no plano de ação do GTMR no próximo ano.
– Indicadores de resistência, que são muito baixos para o agricultor e parece não ser de grande impacto, mas, para o resultado final do manejo, é de grande impacto. Boa parte das tecnologias que foram perdidas para a resistência genética das pragas se deu em função de certa negligência em relação a esses sinais de resistência que foram dados e da pouca ação em função disso – reforça o coordenador do GTMR.
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O produtor de grãos Marcelo Sandoli em Jaguapitã, no norte do Paraná, está de olho agora em qualquer sinal de praga. Depois do prejuízo que teve com o milho Bt na última safra, ele não quis arriscar com a soja agora.
– A gente calcula em 10% de perda, além do custo elevado. Porque você usa um material com resistência à lagarta, mas no final das contas ela não funciona. Você acaba gastando com inseticida. Você tem uma perda de produção e um custo mais elevado. Nós temos que fazer o melhor possível na soja para manter a tecnologia – relembra.
Nesta safra, Sandoli reservou quase 10 hectares para refúgio. No total, ele plantou soja em 24 hectares. Pouco mais de 14 com a tecnologia Bt. A soja já tem por volta de um mês e está vindo bem, ele espera que continue assim, nas duas áreas.
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O refúgio é uma medida preventiva. E permanente. Deve ser feito todos os anos, em todas as safras. Outra recomendação é que o produtor não considera a área de refúgio para produção. Ela é uma área para produção de pragas somente. Só que, ao conversar com produtores, é possível notar que eles não acham isso tão viável assim.
– É uma área considerável, 20%. Não tem como. Sinceramente, no final dói no bolso do produtor – afirma o Sandoli.
Da soja com tecnologia Bt, Marcelo Sandoli espera tirar 58 sacas por hectare. Na outra, a convencional plantada para refúgio, já se vê sinais da lagarta. Tanto que ele precisou fazer uma aplicação de inseticida. Ele diz que não espera a mesma lucratividade nas duas lavouras, mas torce para que o refúgio cubra seus custos de produção.
– Vamos procurar, sim, fazer um controle das pragas. Não como a gente fazia antes, mas para, pelo menos, tirar uma produção razoável para pagar as contas e, se possível, sobrar alguma coisa – comenta Sandoli.
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