Especial - Com idade avançada e sem sucessores, pequenos produtores estão vendendo terras

Uma vida inteira à venda: situação põe em risco o modelo de agricultura familiar característico de Santa Catarina? A senhora que é da Epagri e conhece todo mundo, sabe de alguma casinha pra vender na cidade? Ou alguém interessado em comprar terras?

? Bom dia, seu Henrique. Trouxe o pessoal do jornal para conversar com o senhor ? responde a extensionista Edina Figueiredo.

Mal a equipe do Diário Catarinense havia posto os pés na casa simples e Henrique Likoski já questionava a técnica, ávido por informações. Ele está decidido a negociar a propriedade e morar na cidade.

Aos 78 anos, 68 deles vividos como agricultor na localidade de Santa Rosa, no interior de Tangará, Meio-Oeste, Henrique cansou. Casado com Amábili Irma Kikoski há recém-completados 57 anos, o velho senhor desistiu da vida no campo. Não tem para quem deixar a lavoura nem o rebanho de gado leiteiro, e não vê alternativa senão fazer as malas e guardar apenas na lembrança a vida na roça.

Henrique e Amábili fazem parte do grupo crescente de pequenos agricultores catarinenses que está largando o campo por causa da idade avançada e da ausência de sucessores.

Não faltam filhos para os Likoski, mas nenhum dos oito que tiveram quer seguir na agricultura. O único que cuidava da propriedade junto com os pais, Sérgio, que hoje teria 45 anos, morreu há 15 anos, de choque anafilático ao tratar uma simples intoxicação alimentar.

Desde então, Henrique tenta como pode, com o corpo magro de quase 80 anos, plantar milho para a ração dos animais, ordenhar as vacas e cuidar da parreira de uvas, uma das principais culturas de Tangará, município com 500 hectares plantados e previsão de colheita de 11 mil toneladas este ano.

Dona Amábili não pode mais ajudar o marido. Está se recuperando de uma cirurgia para implantação de pinos na bacia. Os ossos se desgastaram com o tempo e tanta atividade. Hoje, ela caminha com dificuldade. O casal gasta as duas aposentadorias com remédios e a pequena poupança juntada ao longo dos anos se foi na mesa de operação.

? Nossos filhos foram atrás de uma vida melhor. Na lavoura o serviço não para. Gente nova ainda aguenta, mas só em dois velhos é peleia demais.

Ele ainda lamenta os preços pagos ao produtor, em queda. O leite era uma garantia de renda mensal, mas como sua produção é pequena, o laticínio que comprava o produto não quer mais passar na propriedade para recolher apenas 20 litros por dia.

? Quem é que quer essa vida hoje? Se nem nós, que sempre fizemos isso, aguentamos mais ? pergunta Amábili, sem saber a resposta.

Série de reportagens O Campo Envelhece, do Diário Catarinense, conquista Prêmio Esso de Jornalismo