Diário Catarinense – Quais são os principais desafios do extensionismo rural atualmente?
José Silva Soares – Primeiro, ter a noção clara de que o extensionismo é um agente de transformação. Para isso é preciso saber que todas ações têm que ser construídas com as organizações dos agricultores e saber que a extensão está inserida em um contexto maior, no cenário mundial do dilema de produzir mais alimentos e ao mesmo tempo não agravar as questões de degradação ambiental. O segundo desafio é convencer as lideranças políticas de que as políticas públicas para atingir as pessoas que mais precisam, ocorrem principalmente pela extensão rural, que já provou em seis décadas que conseguiu se adaptar aos tempos e que, por estar presente em mais de 4 mil municípios e ter 16,6 mil extensionistas, é o único serviço do Estado brasileiro que vai à propriedade com um único objetivo: transformar a vida das pessoas para melhor. O Estado brasileiro ainda não se conscientizou disso. Reconhecemos uma grande evolução nos últimos anos, com mais recursos, mas ainda é necessário haver uma eqüidade para manter o serviço de extensão.
DC – Como o trabalho da extensão rural se modificou ao longo das décadas?
Soares – A extensão sobreviveu a seis décadas porque ela vem se adequando aos tempos. Na época da criação dos serviços de extensão, eles eram para trazer as primeiras tecnologias, depois nós tivemos a época de trazer máquinas e equipamentos, depois a conquista do Cerrado brasileiro e também tivemos a extensão para criar estruturas de comercialização. Nos últimos anos, nos adequamos a uma missão de desenvolvimento sustentável, na qual o foco passa a ser as pessoas. Os produtos e as cadeias produtivas continuam tendo importância no nosso trabalho, mas passam a ser meios para que as pessoas tenham melhores condições e também melhor qualidade de vida.
DC – Como a extensão rural pretende colocar a agricultura familiar na produção de energia e de alimentos, algumas das principais questões que envolvem o campo atualmente?
Soares – A agricultura familiar tem uma participação muito forte, cerca de 70% dos produtos da cesta básica vêm da agricultura familiar. Outro ponto fundamental é sua produção diversificada, há muitas atividades dentro de uma mesma área. Com isso, nós estamos vendo como uma grande oportunidade para a agricultura familiar se apropriar de uma ação que ela já vinha fazendo e que agora o mundo passa a discutir, que é a importância de se produzir alimentos ou combustíveis renováveis.
DC – Mas há espaço também para a produção energética dentro da agricultura familiar, que tem áreas mais limitadas?
Soares – Há espaço, mas é claro que temos que estar conscientes de que não poderemos substituir nenhuma cultura alimentar só para produzir biocombustível. Como a agricultura familiar é muito diversificada e as oleaginosas, usadas para produzir biodiesel, são produtos que integram outras cadeias produtivas, nós temos a consciência de que podemos nos beneficiar dessa produção integrada.
DC – Qual é o melhor caminho para a agricultura familiar em SC?
Soares – Eu sempre tenho defendido as atividades com maior valor agregado e que o agricultor tenha mais domínio. Eu creio que SC pode avançar muito nas culturas de alta produtividade e também na agroindústria artesanal, que é uma maneira muito forte de agregar valor a esses produtos. Esse produto artesanal tem um nicho de mercado muito forte. Primeiro porque não tem aditivo químico e, além disso, quando você vende um doce de goiaba feito pela agricultura familiar ele tem muito mais do que só a fruta com açúcar, ele tem a história daquela comunidade, tem o fluxograma do fazer que vem construído de família em família durante décadas.
DC – Como é o trabalho de extensão nas áreas de quilombolas e assentados?
Soares – A extensão rural é uma educação não formal, onde nossa sala de aula são as propriedades, os lavrados, os campos. E em cada um dos grupos sociais ela tem que ter um enfoque de educação. A gente tem convicção de que a família rural tem um saber, que com o saber que o extensionista adquire na academia a gente consegue formar um saber diferente, que vai gerar o desenvolvimento naquela comunidade. Por isso, o extensionista que atua no quilombola ou no assentado da reforma agrária tem que ter outro perfil, outra formação, que é diferente daquela dos demais agricultores familiares.
DC – Como que a extensão está trabalhando a questão da fixação dos jovens no campo?
Soares – Eu tenho criticado as políticas públicas das últimas décadas que direcionaram os jovens rurais a vir para as cidades à procura de emprego e de renda. Além disso, quando se constrói casas e conjuntos habitacionais você faz na cidade. As melhores escolas também vão para a cidade. Com isso, o jovem não fica mais no campo. Eu tenho defendido que as políticas públicas dêem condição ao jovem rural ter oportunidade de ficar no campo, mas não fixá-lo. O que se fixa são postes e construções. Se ele decidir ficar no campo é porque vai ter condições de lazer, educação e saúde.