Um estudo elaborado por um gastroenterologista gaúcho em parceria com o Instituto Nacional do Câncer dos EUA, publicado este ano, deixou um pouco mais amargo o chimarrão ao detectar uma substância relacionada ao câncer em infusões preparadas com erva de oito marcas encontradas no mercado. Enquanto os apreciadores do mate deparam com essa constatação dura de engolir, uma pesquisa do Instituto de Cardiologia colhe dados sobre possíveis benefícios do produto para o sistema circulatório.
Há vários anos, o consumo de chimarrão vem sendo relacionado a índices mais elevados de câncer no esôfago no Rio Grande do Sul, em comparação com o resto do país devido à temperatura elevada da água com que é preparado. O estudo do gastroenterologista Renato Fagundes e de colegas norte-americanos atestou a presença da substância cancerígena benzopireno na bebida em um artigo publicado no mês de maio na revista especializada Cancer Epidemiology Biomarkers & Prevention, da Associação Americana para a Pesquisa de Câncer.
Quase ao mesmo tempo, o Instituto de Cardiologia selecionava voluntários para apurar os benefícios que a presença de substâncias conhecidas como flavonóides pode trazer aos participantes das rodas de chimarrão. Até o final do ano, as autoras da pesquisa esperam verificar se, de fato, o mate é capaz de reduzir o colesterol e proteger o coração dos gaúchos – abalado pelas dúvidas lançadas sobre sua bebida predileta.
Contra
A análise do mate gaúcho levou a uma constatação que surpreendeu o próprio autor: a quantidade da substância cancerígena benzopireno presente em 12 cuias de chimarrão corresponde aproximadamente ao encontrado em uma carteira de cigarro.
Fagundes coletou amostras de oito marcas de erva-mate entre as mais vendidas no mercado gaúcho e as levou para análise nos Estados Unidos.
O especialista simulou o consumo de uma pessoa que tomasse 12 cuias de chimarrão em um período de uma hora. As ervas foram misturadas tanto com água quente (a 80°C) quanto fria (5°C). Independentemente da temperatura, os pesquisadores concluíram que havia cerca de 200 nanogramas de benzopireno no somatório das 12 cuias.
? Isso é o equivalente, aproximadamente, ao que se encontra em um maço de cigarros. Sabemos que, no pulmão, esse produto altera o DNA das células, o que pode levar ao câncer. Ainda precisamos estudar mais sobre como atua se ingerido com o chimarrão, no caso em que o órgão afetado é o esôfago ? afirma Fagundes.
O especialista faz questão de ressaltar que as conclusões do estudo não devem ser motivo de medo entre a população. Ainda faltam pesquisas mais detalhadas sobre a relação entre o que foi encontrado nas infusões de erva-mate e a ação no organismo.
? É apenas uma luz amarela para levarmos adiante outras pesquisas ? argumenta.
Ele lembra ainda que o câncer não tem uma causa única. Geralmente, é a combinação de diferentes fatores de risco como elementos genéticos, uso de álcool e fumo. Ele também reforça a recomendação de que o mate não seja servido com água quente demais a ponto de provocar lesões no esôfago – outro fator de risco.
Pesquisa mais antiga também detectou substância
Como o benzopireno não é encontrado naturalmente na folha da erva-mate, uma das dúvidas deixadas em aberto pelo estudo é como ele vai parar na cuia de chimarrão. Duas hipóteses são aventadas: a poluição ambiental, que poderia contaminar as folhas ainda na planta, e o processo de industrialização.
Uma pesquisa mais antiga, elaborada pela farmacêutica e professora de toxicologia dos alimentos da UFRGS Isa Beatriz Noll, pode dar a resposta a essa indagação. No começo da década, a especialista também apurou a presença do cancerígeno benzopireno em algumas amostras de mate.
Essa substância, porém, não se fazia presente quando o processo de sapecagem das folhas era feito por um equipamento a gás, e não pelo contato direto com o fogo. Sabe-se que o benzopireno pode ser emanado em processos de combustão.
? Como a erva normalmente é feita em um processo que envolve a queima de madeira, pode acabar contaminada ? afirma Isa.
A favor
Se benzopireno é o nome da substância capaz de fazer os bebedores de chimarrão engolirem em seco, os flavonóides representam a esperança de absolvição científica da bebida gaúcha.
Essas substâncias, encontradas de forma natural em muitos vegetais, são associadas a benefícios trazidos ao organismo humano como prevenção a complicações cardíacas, ao diabetes e até ao próprio câncer.
Para comprovar de vez essa hipótese há muito aventada, as nutricionistas Bruna Pontin e Denise Zaffari começaram no início do ano a organizar um extensivo levantamento científico contando com 200 participantes voluntários.
A idéia é que todos passem por um período de um mês sem consumir mate ou outros produtos que possam interferir no estudo e, a partir daí, medir os efeitos do chimarrão em indicadores de saúde como o colesterol e os triglicerídeos.
? O chá verde, que tem flavonóides e é muito consumido pelos orientais, já foi alvo de estudos que atestaram benefícios. Como se sabe que o chimarrão também tem flavonóides, queremos avaliar o impacto dele sobre a saúde de forma científica ? explica Bruna.
A idéia das especialistas é acompanhar os participantes do experimento por um período de três meses e depois compilar os resultados dos exames físicos. No final deste ano, a pesquisa realizada pelo Instituto de Cardiologia deverá apresentar conclusões preliminares. Somente por volta de março de 2009, a pesquisa estará pronta para divulgação em definitivo.
? Alguns trabalhos já apontaram benefícios em animais, mas queremos ver o que acontece envolvendo pessoas ? afirma a nutricionista.
Expectativa é de que haja recuo de placas de gorduras
Ela se refere a um estudo recente elaborado pela Feevale, de Novo Hamburgo (RS). Durante um mês, os pesquisadores alimentaram ratos de laboratório com uma dieta reforçada à base de produtos como chocolate e amendoim. Eles também eram impedidos de fazer exercício. Nas semanas seguintes, receberam um composto concentrado de erva-mate. Como resultado, fatores de risco como triglicerídeos e colesterol tiveram uma queda significativa ? no caso do colesterol, a redução ficou entre 20% e 30%.
Uma das expectativas das responsáveis pelo novo trabalho é de que seja constatado um forte recuo nas placas de gordura que costumam se acomodar nas paredes das artérias e provocar problemas circulatórios. Embora o foco das pesquisadoras seja o coração dos apreciadores do chimarrão, também se acredita que os flavonóides podem contribuir no combate a uma série de doenças, desde diabetes até câncer.
Com ou sem uma cuia na mão, nos próximos anos os gaúchos deverão permanecer atentos ao desenvolvimento das novas pesquisas científicas sobre a bebida típica do Estado.