Segundo o professor Rubens Lopes, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), editor científico da obra, o objetivo é incentivar a prevenção, o controle e o monitoramento das espécies exóticas invasoras marinhas.
A publicação é resultado de uma parceria entre a USP, a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Marinha do Brasil.
? Desde a Convenção da Diversidade Biológica, assinada durante a conferência Rio 92, a questão das espécies exóticas invasoras começou a ser debatida internacionalmente. E o texto da convenção determinava que as nações deveriam impedir a introdução das espécies exóticas que ameaçassem os ecossistemas e realizar seu controle ou erradicação.
Uma das decisões da convenção, de acordo com Lopes, que coordena o projeto “Monitoramento de alta resolução de florações de algas tóxicas”, apoiado pela Fapesp por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa ? Regular, foi a realização de inventários referentes à ocorrência das espécies exóticas invasoras, além da sua prevenção, erradicação e controle.
? Em função disso, em meados de 2003, o MMA decidiu realizar inventários sobre as espécies invasoras em cinco subprojetos: Ambientes Marinhos, Águas Continentais, Ambientes Terrestres, Sistemas de Produção e Saúde Humana ? explicou.
O pesquisador ficou responsável por coordenar o grupo que faria o inventário das espécies marinhas. Em 2005, o MMA realizou, por meio do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica (Probio), um simpósio nacional sobre as espécies exóticas invasoras.
? Com isso, houve uma sinalização de que seria interessante publicar esses resultados. Até que no início de 2008 começou o projeto de publicação. O livro sobre os ambientes marinhos foi o primeiro a ser lançado, pois o relatório do nosso grupo estava mais adiantado. Atualizamos as informações que constavam no relatório do Probio e editamos a obra com apoio técnico do MMA ? disse.
A publicação tem vários capítulos distribuídos em dois grandes conjuntos de dados: um deles relacionado às espécies propriamente ditas e o segundo voltado à estrutura brasileira para enfrentá-las.
? São vários autores. Cada capítulo tem um ou mais coordenadores e a participação de estudantes ? contou.
O livro traz uma pequena parte conceitual introdutória, que explica os métodos utilizados para a prospecção das informações e apresenta estatísticas gerais sobre a ocorrência das espécies.
? Depois vêm os quatro capítulos temáticos que tratam de diferentes grupos ? plânctons, macroalgas, zoobentos e peixes ? e o capítulo final que é um diagnóstico sobre a estrutura de prevenção e controle existente no Brasil.
Em termos de volume de informação a maior parte do livro é composta pelas chamadas fichas de espécies.
? O livro traz as fichas de 58 espécies identificadas como exóticas, com todas as informações disponíveis sobre elas ? a descrição de como ocorreu a introdução, dados sobre a ecologia e a biologia das espécies, informações sobre os registros delas no Brasil e sobre os seus possíveis vetores de introdução e dispersão ? disse Lopes.
Embora o livro apresente 58 espécies exóticas, apenas nove foram caracterizadas como invasoras de fato.
? Só definimos uma espécie como invasora quando se trata de um organismo que está causando algum tipo de impacto mensurável, seja ele ecológico, socioeconômico, cultural ou na saúde ? explicou.
O professor do Instituto Oceanográfico da USP destaca que os principais vetores de introdução das espécies marinhas exóticas estão ligados ao transporte marítimo.
? Isso ficou muito claro para nós. O impacto do transporte marinho é muito grande na introdução dessas espécies. E ele ocorre por meio da água de lastro ? despejada em quantidades imensas na costa brasileira ?, como por incrustação nos cascos de navios e plataformas de petróleo ? disse.
Outro vetor importante, segundo ele, é a aquicultura.
? A atividade traz organismos exóticos que acabam sendo lançados no ambiente natural e se tornam invasores ? afirmou.
Uma das espécies exóticas invasoras mencionadas no livro é a macroalga Caulerpa scalpelliformis denticulata, cujo limite de distribuição no Brasil, ao sul, era o Estado do Espírito Santo. Em 2001, a espécie foi documentada na baía de Ilha Grande (RJ). Segundo Lopes, desde seu aparecimento, essa alga vem aumentando rapidamente sua área de distribuição, chegando a deslocar nos costões rochosos a espécie que antes era dominante na região, a Sargassum vulgare.
? Justamente devido à sua propagação rápida e persistente na região, essa pode ser a primeira espécie a merecer a classificação de alga invasora no Brasil. O tráfego de embarcações seria um possível vetor da introdução dessa alga na região. Mas a aquicultura de moluscos e a aquariofilia podem ser vetores alternativos também, devido à beleza da alga, que se adapta muito bem em aquários ? explicou.
Outro destaque é o Isognomon bicolor, um molusco bivalve de origem caribenha que apresentou um aumento súbito de densidade em vários pontos da costa brasileira a partir da metade da década de 1990. De acordo com Lopes, o molusco foi inicialmente confundido com outra espécie da mesma família já registrada na costa brasileira, mas atualmente é considerado invasor.
? Trabalhamos com a hipótese de que a introdução ocorreu entre as décadas de 1970 e 1980 nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. A expansão populacional deve ter ocorrido durante a transição para a década de 1990 com a ampliação da distribuição geográfica da espécie no Brasil e a ocupação dos costões rochosos, disputando espaço e reduzindo drasticamente a presença, antes maciça, de bivalves e de cirripédios ? disse.
O siri Charybdis hellerii, atualmente encontrado em vários Estados, é um exemplo de possível introdução decorrente do aumento do tráfego naval. Pequenos espécimes podem ter sido transportados na água de lastro de navios, segundo Lopes.
? Essa hipótese é corroborada pelo fato de essa espécie ter sido encontrada em áreas onde há grande fluxo de navios petroleiros que partem ou chegam do Oriente Médio. No Sudeste do Brasil, a introdução ocorreu, provavelmente, entre 1993 e 1994. Outra hipótese é que tenha sido introduzido por meio da água de lastro no Caribe e a partir daí as larvas chegaram ao Brasil pelas correntes marinhas ? disse.
O coral Tubastraea tagusensis, de acordo com Lopes, foi introduzido acidentalmente por incrustação em plataformas de petróleo e também, possivelmente, pelo transporte em cascos de navios. No Brasil, esse gênero é reportado desde o fim da década de 1980, quando foi observado em plataformas na Bacia de Campos. Mais recentemente, o coral dominou costões da região da Ilha Grande, ao sul do estado do Rio de Janeiro. Em agosto de 2008, biólogos do Centro de Biologia Marinha da USP e do Instituto Terra e Mar registraram a ocorrência do gênero Tubastraea em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo.
? O rápido crescimento, a rapidez com que seus pólipos se recuperam e o potencial químico de competição do gênero são características que indicam o alto poder competitivo da espécie, aumentando sua possibilidade de expansão para outras regiões do litoral brasileiro ? disse Lopes.
De acordo com Lopes, o livro não será comercializado, mas distribuído para instituições de ensino e bibliotecas de todo o país. A obra também pode ser adquirida por interessados pelo telefone (61) 3317-1227.