Extenso estudo, realizado em áreas florestais sob manejo sustentável nos estados do Acre e de Mato Grosso, mapeou mais de 40 milhões de árvores adultas das espécies Handroanthus serratifolius (ipê amarelo) e Handroanthus impetiginosus (ipê roxo). A ampla incidência registrada mostra que os ipês estão protegidos de extinção e ressalta a importância do manejo sustentável das florestas.
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Segundo os pesquisadores envolvidos, esse total mapeado não considerou árvores jovens, arvoretas e banco de plântulas. “Considerando a população, área de ocorrência, crescimento e estrutura (do passado e atual), capacidade de suporte e estoque das florestas naturais sob manejo, maturidade reprodutiva, entre outros fatores, entendemos que as duas espécies não se encontram em condição vulnerável”, afirma o pesquisador da Embrapa Florestas (PR) Evaldo Muñoz Braz.
Os resultados estão apresentados na publicação “Ocorrência e crescimento de Handroanthus spp. na Amazônia, nos estados de Mato Grosso e Acre, como subsídio para a elaboração de normativas de manejo florestal e avaliação de risco de extinção”. A obra traz dados e informações fundamentais que colaboram em recentes debates no setor florestal sobre a inserção dos ipês na lista de espécies da flora ameaçadas de extinção.
Durante o ano de 2020, os pesquisadores estiveram em campo em áreas de florestas nativas remanescentes, localizadas no Acre e em Mato Grosso, onde já desenvolvem outros projetos de pesquisa sobre manejo florestal sustentável, com o objetivo de levantar a atual situação de ocorrência e crescimento do ipê.
Além do trabalho de campo, a pesquisa fez também comparações da estrutura das florestas entre amostragens atuais e de registros antigos do Radambrasil (base do conhecimento de florestas brasileiras, implementada na década de 1970), buscando levantar o número de árvores e conhecer a estrutura total da floresta.
No estado do Acre, foram avaliados 41 mil hectares, já em Mato Grosso, 54 mil, todas as áreas submetidas a planos de manejo florestal. Nelas, foram realizados o mapeamento da ocorrência das espécies, a identificação, a descrição das árvores e a avaliação do crescimento de seus diâmetros. “Quando extrapolamos a representação de ipê encontrada na pesquisa para as áreas disponíveis para manejo nesses estados, é possível assegurar sua ampla ocorrência”, afirma Braz.
Somente no Acre, dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) de 2020 apontam 8,8 milhões de hectares de áreas passíveis de manejo dentro dos 12,5 milhões de hectares (ha) de florestas nativas. Isso sem contar com o que está protegido em 3,5 milhões de ha em reservas indígenas, Unidades de Conservação de Proteção Integral, e também excluindo as áreas de preservação permanente.
Já em Mato Grosso, dados de 2019 registram 17,6 milhões de ha em áreas passíveis de manejo dos 25 milhões de ha de Floresta Amazônica no Estado e com áreas protegidas em mais 8 milhões de ha em reservas indígenas e Unidades de Conservação de Proteção Integral.
Nova metodologia avalia ocorrência, estrutura e crescimento diamétrico
A metodologia utilizada para a realização deste trabalho envolve cruzamento e estudo de diferentes informações e pesquisas de campo. Os cientistas reuniram diversos bancos de dados florestais e da literatura especializada, buscando abranger, de forma representativa, todas as subtipologias do bioma Amazônia presentes no Acre e no Mato Grosso e identificar sua ocorrência.
O conjunto de dados foi composto por inventários florestais de Planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) aprovados e fornecidos pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac-AC) e pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT).
Entre os inventários, estavam os do tipo “censo”, que incluem os dados de todas as árvores com diâmetro à altura do peito (DAP) maior que 35 cm. Nessa categoria, foram registradas mais de 20 mil árvores de Handroanthus spp. em uma área de aproximadamente 100 mil ha inventariados.
O estudo também foi a campo para realizar um inventário-diagnóstico que, de forma amostral, identificou o número de árvores com DAP igual ou maior que 10 cm. Os pesquisadores mediram os diâmetros e as alturas, o que permitiu a inclusão de árvores com estrutura das classes diamétricas inferiores às do censo e, assim, conhecer a estrutura total da floresta.
Outra parte do trabalho analisou dados de crescimento das espécies, por meio do estudo dos anéis de crescimento dos ipês das áreas amostradas. Com a informação da maturidade reprodutiva das espécies, obtida em literatura científica, foi possível avaliar que o ciclo reprodutivo das árvores sob MFS está assegurado, garantindo a conservação da floresta.
“O que nós fizemos foi avaliar essa estrutura da floresta, de forma exaustiva. Concluímos que a estrutura das florestas com ipê, em áreas que estão sob manejo, não sofreu alteração no tempo. Ou seja, nas áreas em regime de manejo, observamos que a estrutura da espécie permanece similar quando comparamos com as florestas primárias registradas no Radambrasil e com outros mapeamentos que utilizamos, isso se verificou mesmo em áreas que já foram legalmente exploradas,.
Entretanto, áreas que foram destinadas para outros usos do solo perderam a sua estrutura original, biodiversidade, sustentabilidade etc.”, relata a pesquisadora Patrícia Póvoa de Mattos, ao assegurar que a ocorrência da espécie está mantida. Além disso, ainda é importante contabilizar as árvores que estão em áreas de proteção integral, ou seja, que estão intocadas.
Importância econômica do ipê
O ipê é uma espécie que figura entre as principais fontes de madeira nobre, um produto muito valorizado no exterior – mercado com exigência crescente de origem certificada e autorizada por órgãos ambientais. No Brasil, dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) indicam que a cadeia madeireira do ipê movimenta cerca de R$ 70 milhões por ano, sendo um dos principais produtos da economia de estados como Mato Grosso, Acre e Rondônia.
Uma eventual inclusão do ipê na lista de espécies vulneráveis poderia ocasionar receio aos compradores internacionais e, como consequência, a suspensão de compra dessa madeira e de outras espécies que estejam em situação semelhante. “Esse trabalho veio em boa hora para elucidar essa questão, uma vez que, quando a espécie é colocada na lista de espécies ameaçadas, ela não é mais comercializada no mercado de exportação. Isso seria impactante para muitos municípios que atuam dentro da legislação e de critérios técnicos, têm a madeira como principal produto e dependem deste tipo de atividade, pois estabeleceram cadeias de produção, transformação, indústria e exploração especializadas, além de enorme geração de empregos”, explica Erich Schaitza, chefe-geral da Embrapa Florestas.
As discussões sobre a inserção do ipê na lista de espécies da flora ameaçadas de extinção se baseiam na confusão entre desmatamentos, que promovem o corte total das florestas, com o manejo florestal. Segundo o Relatório Anual de Desmatamento no Brasil (RAD) 2021, do MapBiomas, 98% das áreas desmatadas são decorrentes de atividades ligadas à agricultura ou à pecuária. Para esses fins, toda a floresta é retirada, sendo que, muitas vezes, a queimada precede o desmatamento. Já sob manejo florestal sustentável, a exploração do ipê, e de outras espécies, para uso da madeira ocorre de maneira planejada, segundo critérios técnicos, e tem gerado renda e conservação da espécie.
Segundo o Ibama, 98% da madeira de ipê explorada é exportada e sua origem advém de madeireiras legalizadas, que utilizam madeira vindas de planos de manejo florestal, com áreas obrigatoriamente 100% amostradas e fiscalizadas. Para executar o MFS, é necessário realizar e registrar junto a órgãos fiscalizadores o planejamento silvicultural de manejo e corte, além de satisfazer outras exigências que garantem a permanência da floresta.
Manejo sustentável deixa a floresta em pé
A madeira é um produto altamente sustentável, sendo, sob normas de manejo, um bem renovável. A floresta sob manejo, além de sustentável do ponto de vista ambiental, gera renda e sequestra carbono. No trabalho científico, também foram simuladas cenários de manejo nas diferentes tipologias, e sob diferentes condições de extração, evidenciando a sua sustentabilidade.
Existem iniciativas nacionais e internacionais que incentivam o manejo florestal, em contraposição a práticas de desmatamento, que causam a mudança do uso e cobertura da terra. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera o manejo florestal como o caminho para o desenvolvimento sustentável e a conservação da floresta. “O manejo sustentável é a melhor forma para conservar a floresta, sem eliminá-la, pois a floresta em pé gera renda. Quando se maneja de forma sustentável, não há perda das espécies sob manejo dentro da floresta, e é possível haver nova colheita sob manejo naquele local, pois após 30-35 anos, estará produtivo novamente”, diz Schaitza.
“Diante do potencial de manejo de florestas naturais na Amazônia como alternativa de atividade econômica sustentável, deveriam ser concentrados esforços para otimizar o desenvolvimento da atividade, garantindo a produção de madeira tropical de alta qualidade, como produto de fonte renovável. Para isso, é necessário que a atividade seja planejada, tendo por base amplo conhecimento sobre as espécies comerciais e a dinâmica florestal como um todo”, orienta Braz. Além dos ipês, os pesquisadores estão ampliando as análises a respeito de outras espécies de interesse comercial como Apuleia leiocarpa (garapeira), Hymenolobium spp. (angelim-pedra), Astronium spp. (muiracatiara), Peltogyne spp. (pau-roxo ou roxinho) e Amburana acreana (cerejeira) em Mato Grosso.
“A floresta é um bem renovável e que precisa ser conservado. A conclusão que chegamos com esse estudo é que manejar a floresta, mais especificamente o ipê, de forma sustentável, é a melhor solução para a manutenção da floresta, pois gera renda à população local envolvida e garante que somente uma pequena parte dela seja retirada, mantendo os ciclos de vida da floresta. Recomendamos, inclusive, que as áreas sob manejo aumentem, para gerar emprego e renda em uma situação de conservação da floresta”, finaliza Schaitza.
Com informações da Embrapa.