Estudo da Embrapa e instituições parceiras comprovou que a expansão sustentável do cacau tem sido extremamente benéfica para a Amazônia, integrando geração de emprego e renda à preservação da floresta.
Paralelamente ao fato de o Pará ser hoje o maior produtor nacional desse fruto, com um rendimento superior a 50% do total movimentado no País – R$ 1,8 de 3,5 bilhões -, 70% do cultivo é feito em áreas degradadas, majoritariamente por agricultores familiares e em sistemas agroflorestais. O resultado é a recuperação dessas áreas, cuja maior parte foi convertida de pastagens, com a redução do fogo e do desmatamento na região.
O trabalho, intitulado “A expansão sustentável do cacau (Theobroma cacao) no estado do Pará e sua contribuição para a recuperação de áreas degradadas e redução do fogo” (The sustainable expansion of cocoa crop in the State of Pará, Brazil and its contribution to altered areas recovery and fire reduction), foi publicado esta semana no Journal of Geographic Information System. Ele apresenta a descrição detalhada da evolução das plantações de cacau em termos de expansão histórica, práticas de propriedades agrícolas, transições de uso da terra e regimes de fogo.
Segundo o principal autor, o pesquisador Adriano Venturieri, da Embrapa Amazônia Oriental, a área cultivada com o cacau no estado do Pará vem crescendo nos últimos anos, especialmente na região da Transamazônica. Existe, porém, uma dificuldade em mapear essa expansão em virtude da diversidade dos sistemas de produção que envolvem a cultura do cacau na região.
“Mapear e monitorar a plantação de cacau por meio de imagens de sensores ópticos foi um desafio devido às características botânicas e arbóreas que normalmente são confundidas com áreas de capoeira (vegetação secundária) e floresta, pois o cacau normalmente é cultivado no subbosque sombreado pela floresta”, relata o pesquisador.
“Para isso, foi preciso cruzar imagens de satélite obtidas pelo monitoramento regular do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), do projeto de Mapeamanto do Uso da Terra na Amazônia (TerraClass) e os dados do Cadastro Ambiental Rural para ir a campo e checar, junto aos produtores e técnicos locais, a localização exata do cacau entre as áreas de floresta”, acrescenta Venturieri.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil produziu 270 mil toneladas de amêndoas de cacau (Theobroma cacao) em 2020/2021. Na Região Norte essa produção ficou em 150 mil, sendo o Pará responsável por 96% do total regional. O estado nortista é maior produtor nacional desse fruto, com 1,8 bilhão dos cerca de 3.5 bilhões movimentados no País em 2020.
O cacau acentua a floresta
A área monitorada e mapeada pela pesquisa no Pará está localizada nos dez municípios de maior produção cacaueira no estado e corresponde às regiões da Transamazônica, Sudeste do Pará, Nordeste do Pará e Baixo Tocantins, utilizando metodologias participativas junto às comunidades locais.
Foram analisados dados do TerraClass – programa executado pela Embrapa e o Instituto Nacional de Pesquisas Espacias (Inpe) que classfica as mudanças de uso da terra na Amazônia – do período de 2004 a 2014 e imagens satelitais do Prodes (Inpe), que monitora anualmente o desmatamento na Amazônia Legal. “Essas imagens foram cruzadas com as informações do CAR e validadas no campo junto aos produtores nas diferentes áreas de cacau no estado, e a partir daí foi possível obter padrões de imagens para as lavouras cacaueiras”, explica o pesquisador Marcos Adami, do Inpe, um dos autores do estudo.
Por meio da modelagem e dos padrões de imagem estabelecidos na análise, o estudo apontou, incialmente, a existência de 70 mil hectares de cacau (até 2019) em 26 municípios paraenses. Como o trabalho de monitoramento é permanente, novos dados analisados após a publicação do estudo já apontam 90 mil hectares até 2021. “Nossa meta é nos aproximarmos, cada vez mais, dos números oficiais, mas sabemos das dificuldades de chegar a esses números”, aponta Venturieri. O trabalho conta com o apoio financeiro do Funcacau para identificação das lavouras cacaueiras no estado.
“Também foi possível verificar que aproximadamente 21 mil hectares continuam sendo mapeados como floresta pelo Inpe (Prodes), apesar de nossos dados de campo identificarem plantações de cacau sombreadas por vegetação nessas áreas”, conta Adami. O pesquisador ressalta ainda que quase 88,7% (52.778 hectares) da área cacaueira plantada já havia sido desmatada até o ano de 2008, que é o marco legal do Código Florestal Brasileiro.
“Isso nos mostra que o cacau, majoritariamente, não está avançando sobre novas áreas de floresta. Ele está ocupando áreas já degradadas e ainda o subbosque de florestas que não foram desmatadas integralmente”, acrescenta Venturieri.
Nas áreas de capoeira e florestas parcialmente exploradas anteriormente, as árvores servem como sombra ao cutlivo do cacau, que na Amazônia tem essa característica. “O que difere o cacau amazônico de outras regiões do País é que o nosso cacau é plantado com sombreamento e não a pleno sol. É interessante perceber que a presença do cacau nessas áreas acentua a presença da floresta, segura o fragmento florestal ainda existe e evita o desmatamento”, afirma o pesquisador.
Agricultura perene no lugar das pastagens
Outra constatação do estudo foi a tendência de conversão de áreas de pastagens em plantios de cacau, que mostra a expansão da cacauicultura na Amazônia como uma atividade que atua na recuperação de áreas degradadas.
Exemplo disso é a história do produtor paraense Ribamar Nóbrega, do município de São Franscico do Pará, na região Nordeste do estado. Ele e o irmão trocaram o pasto de 35 anos da propriedade pelo Sistema Agroflorestal (SAF). “Eu e meu irmão fazemos parte da segunda geração da família envolvida com a atividade rural. Nosso pai era pecuarista, mas buscamos uma atividade mais perene e encontramos o SAF com açaí, cacau e banana”, conta o produtor.
Ele tem atualmente 25 hectares em fase de produção com as três culturas e está em fase de implantação de mais 20 hectares. “Optamos pelo cacau por ser uma atividade perene e também por ser uma fruta que tem um desenvolvimento adequado à nossa região. Além disso, o cacau com o açaí e a banana são atividades que se complementam e têm boa rentabilidade”, conta Ribamar.
Para Venturieri, não há mais que se pensar em produção de cacau na Amazônia sem a produção integrada a outros cultivos. “O Pará já tem área aberta suficiente para uma nova mentalidade sobre a agricultura no estado. Nós temos que passar de uma agricultura horizontal para uma produção vertical e os Sistemas Agroflorestais com o gradiente de culturas no mesmo espaço, é imprescindível”, afirma.