Estudo mostra que animais carnívoros se adaptam às mudanças ambientais no interior paulista

Mesmo com altos índices de degradação, população de diversas espécies continua significativaA vegetação nativa do noroeste paulista sofreu, nas últimas décadas, com altos índices de degradação ambiental. Ainda assim, continuam significativas na região as populações de carnívoros como jaguatiricas (Leopardus pardalis) e lobos-guará (Chrysocyon brachyurus).

As duas espécies, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), estão ameaçados de extinção. Um dos principais desafios dos responsáveis pelo manejo ambiental na região é a dificuldade de adaptação desses animais às novas paisagens agroflorestais da região, cada vez mais fragmentadas.

A conclusão é dos biólogos Maria Carolina Lyra-Jorge e Giordano Ciocheti em pesquisa desenvolvida no Laboratório de Ecologia da Paisagem e Conservação (LEPaC), vinculado ao Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP). O trabalho foi publicado na revista Biodiversity and Conservation.

A região noroeste de São Paulo perdeu cerca de 60% da vegetação original entre 1962 e 1992. O que sobrou foi um mosaico de floresta, cerrado e áreas cultivadas, sobretudo cana-de-açúcar e eucaliptos. Em trabalho de campo, os pesquisadores identificaram dez espécies de carnívoros, entre felinos e canídeos, em 18 meses de coleta de dados.

Do total de espécies encontradas, quatro estão ameaçadas de extinção: onça-parda (Puma concolor), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus) e lobo-guará (Chrysocyon brachyurus).

– Registramos cerca de 130 animais em 18 meses. É um número alto, considerando que os pontos de coleta de dados não tinham nenhum tipo de isca ou atrativo artificial. A idéia foi trabalhar com a freqüência espontânea dos animais ? diz Ciocheti.

Câmeras e canteiros

O trabalho, orientado pela professora Vânia Regina Pivello, do Departamento de Ecologia do Instituto Biológico, envolveu uma área agroflorestal de 50 mil hectares nos municípios de Santa Rita do Passa Quatro e Luís Antônio, onde foram espalhadas 21 câmeras fotográficas para o registro dos bichos e mais 21 canteiros de areia para o registro de pegadas dos animais.

O critério de distribuição levou em conta a área total das diferentes classes de vegetação amostradas, entre as quais estão o cerradão, o cerrado em sentido estrito, a floresta semidecídua e a monocultura de eucalipto. Os autores verificaram que os carnívoros encontrados na região têm utilizado a paisagem alterada pelo homem no interior paulista de maneira flexível. Uma adaptação a mudanças ambientais que causou surpresa aos pesquisadores.

Ciocheti observou um número elevado de jaguatiricas se locomovendo pelos eucaliptais para alcançar outros fragmentos florestais. Foram identificados também lobos-guará que morreram por causa da fumaça da queimada da cana-de-açúcar, recurso ainda usado para a colheita. Outra causa de morte é o atropelamento em pequenas estradas próximas às plantações de cana e eucalipto.

Outras espécies que circulam na área estudada são jaritataca (Conepatus semistriatus), quatis (Nasua nasua), guaxinins (Procyon lotor), cangambás (Mephitis mephitis) e iraras (Eira barbara).

Segundo os pesquisadores, em relação à diversidade das espécies encontradas não foram verificadas diferenças significativas na ocupação dos fragmentos florestais, de modo que a comunidade carnívora como um todo explorou todas as áreas de estudo, independentemente da cobertura vegetal.

O estudo aponta ainda que as plantações de monoculturas conectam trechos de vegetação original permitindo, assim, a sobrevivência das espécies e a melhor locomoção dos indivíduos. Mas quando há corte de eucalipto, por exemplo, a cada cinco anos, a paisagem fica isolada. Com isso, os animais podem habitar apenas um fragmento de vegetação, correndo o risco de exaurir os recursos naturais.

Giordano Ciocheti afirma que a idéia da pesquisa é chamar a atenção para a necessidade de parcerias entre o meio científico, as empresas agroindustriais e os órgãos estaduais para a criação de mais áreas de proteção ambiental. Também para que o manejo dessas áreas agrícolas tenha o menos impacto possível, diminuindo o risco de mortalidade dos animais.

Os dados coletados serviram como base para a dissertação de mestrado de Ciocheti e para a tese de doutorado de Maria Carolina, defendidas recentemente no Instituto de Biociências da USP.