De acordo com o ex-ministro, a exemplo de outros grupos que reúnem países alinhados com interesses mais ou menos comuns sobre determinado assunto – como o G20, que reúne as maiores economias do mundo – o GP seria integrado por 15 nações produtoras dos cinco continentes. Para Rodrigues, por sua capacidade produtiva e posição geográfica, o Brasil poderia liderar a iniciativa, que ficaria sob a gestão executiva da FAO.
Roberto Rodrigues, que é presidente da Academia Nacional de Agricultura da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), sugere que o Itamaraty se coloque à frente da criação do GP, que teria como membros naturais Brasil e Argentina, na América do Sul; Canadá e Estados Unidos, na América do Norte; Ucrânia, Rússia e República Tcheca, na Europa; Indonésia, Malásia, Índia, Tailândia, na Ásia; e Sudão, Congo, Moçambique e África do Sul, na África.
Em entrevista nessa sexta, dia 25, Roberto Rodrigues criticou o fato de todo mundo discutir segurança alimentar, mas deixar o debate ficar na teoria.
– Todo mundo fala, mas ninguém faz nada. Eu atribuo esse não fazer nada a uma falta de liderança global capaz de compreender o assunto – explicou. Para o ex-ministro, o interesse deve ser global, porque segurança alimentar “é garantia de paz, de triunfo da democracia”.
Segundo o ex-ministro, os governos não têm políticas voltadas para aumento da produção, logística, estocagem ou para mecanismos de financiamento de caráter global.
– Ficam no discurso e a coisa não avança”. Por isso, explica, desenvolveu a ideia de criação de um grupo de produtores, “capazes de aumentar a produção de verdade”.
São países, de acordo com ele, que possuem terras disponíveis, tecnologias já em funcionamento ou facilmente assimiláveis, além de gente habilitada para produzir rapidamente, “se as políticas públicas acontecerem”.
Rodrigues disse que o mundo contemporâneo não gosta de estoques, porque eles inibem a volatilidade e especulação. Salientou, porém, que frente a episódios como a recente seca nos Estados Unidos, que reduziu os estoques e elevou bastante os preços dos produtos, a formação de um estoque global poderia ser uma solução.
De acordo com o ex-ministro, o GP poderia ter estoques estéreis em relação ao país onde seria formado. Se, por exemplo, o estoque estivesse fisicamente no Brasil, isso inibiria a ação das bolsas de alimentos.
– Mas esse estoque não pode ser manipulado pelo governo brasileiro, nem para abastecer, nem para mitigar aumento de preços, para nada. Ele é um estoque com governança global, cuja única função é [ser] um estoque estratégico para a hipótese de faltar comida nos países onde isso aconteça – explicou.
Outros temas, como seguro rural, preço mínimo, regras de comércio, teriam de ser desenvolvidos em conjunto por esses países produtores, “sob a batuta da FAO”. Rodrigues não tem dúvidas de que o Brasil poderia liderar esse grupo mundial de produtores, “até porque o diretor-geral da FAO é brasileiro (José Graziano da Silva)”, disse.
O cooperativismo seria outro instrumento do GP. Lembrou que, em países pobres, não bastam políticas públicas para desenvolver a agricultura.
– Tem que haver também uma ação privada, de articulação e coordenação. E o cooperativismo é o único mecanismo que funcionaria nesses países para permitir o acesso dos pequenos produtores ao mercado.
Rodrigues admitiu que o projeto demandaria recursos elevados, talvez envolvendo financiamento de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Mundial.
– Por isso, teriam de ser investimentos de caráter global – disse. Estimou que estoques da ordem de 20 milhões a 30 milhões de toneladas, poderiam dar um número mínimo de segurança alimentar.
Criação do Grupo pode interferir nos preços, diz economista
Apesar de considerar a proposta de criação do Grupo de Produtores (GP) global “muito interessante”, a economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), Daniela de Paula Rocha, disse que está preocupada quanto a possíveis desdobramentos que a formação de um estoque de alimentos global poderia ter sobre o preço das commodities (produtos agrícolas e minerais comercializados no mercado internacional).
– A questão de se pensar em estoque público pode interferir no preço. Acaba afetando os preços dos alimentos, porque o mercado hoje não tem nenhuma intervenção e os preços estão super elevados – disse.
Daniela disse que os países atualmente têm estoques de alimentos, principalmente grãos, dos quais uma parte é destinada à exportação e outra ao mercado interno. Ela não vê problemas que os países depositem um percentual da produção para a formação desse estoque global, mas reiterou o temor que esse valor possa afetar os preços internacionais.
Outro ponto levantado pela economista da FGV foi sobre a manutenção dos produtos estocados. “Isso custa caro”. No caso específico do Brasil, ela destacou que o país não conseguiu até agora resolver o problema de logística e de infraestrutura.
– Será que vai ter recursos para colaborar nesse aspecto de armazenagem, para manter esses estoques? – disse.
Quanto à formação do GP, Daniela avaliou como viável se ele reunisse países com maior interesse na questão da segurança alimentar, em termos de produção, mão-de-obra, ou com índice de pobreza elevado.
– Se você incluir nesse grupo países que não tenham muito interesse, aí ficaria um pouco inviável.