O presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), Marcelo Lüders, disse que é preciso construir uma política de diversificação do consumo de feijão no país. Segundo ele, o hábito do brasileiro de consumir prioritariamente feijão-carioca deixa o país e os produtores muito dependentes. Assim, quando há algum problema na safra, como ocorreu atualmente por causa da seca prolongada, há aumento do preço do produto.
Entre 15 de maio e 15 de junho, o preço do feijão subiu 16,38%, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15). O índice serve de prévia para o IPCA, que mede a inflação oficial.
Segundo Lüders, já há um entendimento dentro da cadeia sobre a diversificação dos tipos de feijão. “Se o consumidor estivesse habituado a ter uma variedade constante de feijão-branco, vermelho, rajado, caupi, por exemplo, neste momento [de aumento de preço do carioca] iria consumir mais os outros, que poderiam ser importados da China, dos Estados Unidos ou da Argentina”, diz.
De acordo com o presidente do Ibrafe, esses feijões aparecem pouco nas prateleiras dos supermercados para venda e são “gourmetizados”. “O caupi, por exemplo, foi um feijão produzido pela Embrapa, está supervalorizado lá fora [no exterior] e aqui o empacotador não dá espaço para colocar na prateleira, não aparece no mercado. Dizem que é porque o consumidor brasileiro é acostumado com carioca. Isso não é verdade. Brasileiro é apaixonado por feijão. Se não tem carioca, ele vai variar. Mas, se encontra um feijão custando duas vezes mais, acha que é um feijão gourmet. Então temos que desgourmetizar”, defende.
A dona de casa Lenda Maria Coelho, de 57 anos, já previa o aumento no preço do feijão. O marido dela é agricultor e sentiu os impactos da falta de chuva na lavoura, com a baixa na produção e na qualidade do feijão. “Os grãos saem pequenos e murchos, e os mercados não aceitam, eles querem produtos de primeira linha”, disse, enquanto fazia compras em um supermercado de Brasília. O preço do quilo do feijão-carioca varia de R$ 7,99 a R$ 12,90 em mercados percorridos pela reportagem. Já o feijão-preto e o fradinho não chegam a R$ 7 o quilo.
Importação
O governo federal autorizou a importação de feijão de alguns países, com o objetivo de reduzir o preço do produto.
A taxa de importação de feijões preto e carioquinha ficará zerada por 90 dias. Atualmente, o feijão que entra no país paga tarifa de 10%. No entanto, o produto de países do Mercosul já é isento de tarifa de importação. Assim, na prática, a medida estendeu a alíquota zero para países de fora do bloco econômico que produzam feijão, como a China.
“Não há outra maneira de trazer mínimo alento ao consumidor a não ser tirar todo e qualquer empecilho para importação”, diz o presidente do Ibrafe. Entretanto, ele ressalta que o feijão-preto é que deve ser importado. Dessa maneira, o preço do feijão-carioca só deve cair com a primeira colheita da safra 2016/2017, em fevereiro e março do ano que vem, caso as condições climáticas não atrapalhem o plantio.
O Brasil tem três safras de feijão, uma colheita em abril; a segunda até julho; e a última, que é irrigada, está com o plantio sendo finalizado este mês para ser colhido até outubro. “Com a entrada da safra irrigada a partir deste mês e a concentração em julho e agosto, prevê-se uma queda nos preços, que devem fazer o movimento inverso até a entrada da safra 2016/2017, cujo plantio inicia-se a partir de setembro”, disse o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Neri Geller.
Entretanto, para Marcelo Lüders, essa terceira safra será “uma gota d’água no deserto”, que vai amenizar, mas não eliminar os fatores que elevaram o preço do feijão. A terceira safra de feijão está estimada em 873,3 mil toneladas, 2,4% acima da terceira safra de 2014/2015.
O presidente do Ibrafe cobra o cumprimento da política do preço mínimo do feijão. Segundo ele, há cerca de dez anos a cadeia produtiva não recebe a atenção devida do governo. Segundo ele, existem fatores que desestimulam a produção do feijão, fazendo o produtor diminuir a área plantada em detrimento de outras culturas mais rentáveis. “Em 2013, teve feijão jogado fora, destinado para ração. Estava tão barato que não tinha como o produtor transportar”, contou.
Existem defensivos agrícolas mais modernos, segundo Lüders, que poderiam baratear a produção, mas que, por causa da burocracia, ainda não foram liberados para importação no Brasil. A política de abastecimento também poderia ser revista, para o presidente do Ibrafe, já que há, segundo ele, variedades de feijão-carioca que poderiam ser estocadas por até dois anos sem comprometer a qualidade.
O presidente do Ibrafe informou que em julho haverá o Fórum Brasileiro do Feijão, que reunirá toda a cadeia produtiva, entre produtores, pesquisadores de comercialização e entes governamentais.
Seca
De acordo com o nono levantamento da safra 2015/2016, divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no dia 9 de junho, as estiagens prolongadas e altas temperaturas levaram ao recuo na produção total de grãos, inclusive do feijão. A estimativa é de 2,9 milhões de toneladas de feijão nesta safra, 6,1% inferior à anterior.
“Isso ocorreu por condições climáticas adversas no plantio e na colheita e também pela concorrência com soja [estima-se que a área total de feijão caiu 3,5% em relação à safra passada]. Essa é uma das menores safras dos últimos anos, que adicionada a um ‘estoque de passagem’ de pouco mais de 100 mil toneladas, que é apenas 1/3 do consumo mensal do país, reduziu significativamente a oferta, o que ocasionou a elevação dos preços”, explicou o secretário do Ministério da Agricultura, Neri Geller.
O estoque de passagem é a sobra da safra de grãos de um ano para o seguinte. Segundo o secretário, o estoque governamental não chega a 500 toneladas de feijão, “portanto inexistente”. “A suplementação da oferta do feijão-preto será feita, então, com as importações”, disse Geller.
Alternativas à mesa
A presidente da Associação de Nutrição do Distrito Federal, Simone Rocha, explicou que é possível substituir o feijão-carioca pelo feijão-preto, de corda ou fradinho, que estão mais baratos. Segundo ela, a base proteica das diversas variedades de feijão é muito similar, com o preto, por exemplo, tendo mais ferro e o fradinho, mais carboidrato.
“Mas a combinação arroz e feijão forma o aminograma [quantidade de aminoácidos, que formam as proteínas] perfeito, como o aminograma da carne. Por isso o brasileiro era considerado um dos povos que melhor se alimentava”, disse.
Segundo Simone, as famílias podem criar estratégias para aumentar o rendimento do feijão, por exemplo, fazendo um feijão-tropeiro no lugar do feijão de caldo, ou um baião de dois, que é a mistura de arroz com feijão. “Só não pode deixar de consumir”, disse.
A nutricionista ressaltou a importância de evitar o desperdício. “Aquela panela de feijão que fica rodando alguns dias, não pode jogar o ‘restinho’ fora. Dá para fazer uma farofa ou aproveitá-lo em uma sopa”, explicou.
Sobre outros tipos de leguminosas que têm valor nutricional parecido, ela disse que a mais fácil de utilizar é a lentilha, já que é possível fazer em caldo. No caso do grão-de-bico e da ervilha, por exemplo, o brasileiro consome menos, segundo Simone. E, por isso, não consegue gerar a quantidade de proteína do feijão. “Temos de ver essa relação custo-benefício”, disse.
Ela alerta ainda que é importante o brasileiro recuperar o hábito de comer feijão duas vezes ao dia, no almoço e no jantar. “Por conta da vida moderna, as pessoas chegam mais tarde em casa. Vemos o crescente aumento da obesidade ao se tirar o jantar. Quando se troca uma refeição completa, que tem o aminograma completo, por um sanduíche, a saciedade é muito menor”, explica.