É o que tem ocorrido nas últimas semanas no maior porto da América Latina, conforme relatam dezenas de motoristas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo na quarta-feira, no período da manhã. Sem estrutura adequada, como banheiros e local para comer, os profissionais se viram como podem.
Alguns passam horas trancados dentro do caminhão, com medo de assaltos. Outros aproveitam o tempo para dar uma olhadinha na mecânica do veículo. Mas a maioria prefere bater papo e discutir a situação caótica de Santos. O resultado de tanta ociosidade, no entanto, vem na fatura do cliente – e na competitividade do produto nacional.
Para fazer qualquer viagem, os caminhoneiros autônomos cobram um determinado valor referente ao frete. Em Santos, toda vez que ultrapassa o período de seis horas, há um custo adicional de estadia que pode chegar a 50% do frete. Ou seja, se o caminhão ficar parado mais de 12 horas, como tem ocorrido frequentemente, o preço do transporte dobra. Entre São Paulo e Santos, o frete pode saltar de R$ 700 para R$ 1,4 mil, segundo as transportadoras.
? Essa é uma forma de compensar o tempo que o caminhão fica parado ? afirma o motorista Paulo Pelegrine, de 57 anos, 38 deles na boleia de um caminhão.
? Em vez de fazer duas ou três viagens, acabo fazendo apenas uma por causa de todo esse caos de Santos. Tenho de ser remunerado por isso ? explica o caminhoneiro.
O adicional, no entanto, não paga todo o transtorno e pode representar prejuízo para os motoristas que recebem comissão, como é o caso de Osvaldo Giopato. Ele faz apenas o transporte conhecido como “vira”, que significa tirar a mercadoria de um armazém, em Santos, e levar para o porto, ou vice-versa.
? Se não pegasse fila, conseguiria fazer umas cinco viagens por dia e ganharia muito mais do que esse adicional.
Além disso, a falta de infraestrutura do local virou um martírio para quem tem de ficar o dia inteiro cercado por caminhões. Embora o porto ofereça alguns serviços, como banheiro e lanchonete, a fila onde eles ficam está distante de tudo. A comida do almoço chega a bordo de motocicletas e peruas e custa em torno de R$ 10, com direito a um refrigerante.
? Mas é preciso ligar e encomendar ? afirma o dono do restaurante ambulante Salomão Gomes, que sempre traz uma quentinha a mais para os desavisados.
Fila em alto mar
O caos em Santos tem uma série de explicações. Uma delas é a expansão das exportações de açúcar. Sem estrutura adequada para carregar os navios em períodos chuvosos, a carga congestionou Santos. Na sexta-feira, o número de navios estacionados na barra santista, à espera de um berço para atracar no cais, somava 82 embarcações – esse número já atingiu 119 no mês passado.
A fila de navios atrapalhou toda a operação do porto e causou congestionamento também nos terminais, cujas pilhas de contêineres estão cada vez mais altas. Outro problema é a escalada das importações, da ordem de 40% ao ano. Motoristas relatam que a capacidade de alguns terminais está tão comprometida que até as máquinas de movimentação de contêineres têm tido problemas com a falta de espaço para operar.
Responsável por quase 80% de tudo que passa pelo Porto de Santos, o transporte rodoviário absorve todos esses problemas. Os caminhões viraram uma extensão dos terminais. Transformaram-se em armazéns sobre rodas.
? Somos reféns dos terminais. Isso aqui virou uma vergonha ? disse Pedro Luiz Oliveira, de 50 anos.
Na sexta-feira, ele estava quase desistindo de esperar na fila por causa da quantidade de caminhões.
Uma das alternativas dos terminais para evitar transtornos ainda maiores tem sido o agendamento para carga e descarga das mercadorias. Mas isso também não tem funcionado bem, como mostra o motorista Davi Alba, de 64 anos. Ele chegou a Santos na madrugada do dia 4 para retirar uma carga prevista para ser liberada às 10h do mesmo dia. Na quarta-feira, dois dias depois da data marcada, ele continuava em seu caminhão, parado, na entrada do Porto de Santos.
? Agora me disseram que vão liberar hoje, mas ninguém garante nada ? afirmou o motorista, que dirige um caminhão preparado para cargas especiais. Na ocasião, ele aguardava para transportar uma peça de guindaste de 90 toneladas e 30 metros de comprimento.
Apesar da demora, Alba não se alterou. Mas ele tem motivo de sobra.
? Mês que vem estarei aposentado. Nunca mais quero passar perto do Porto de Santos ? brincou.
O motorista trabalha há 40 anos no setor.