Um estudo pioneiro sobre o cultivo do açaizeiro em terra firme na Amazônia revelou resultados surpreendentes.
A presença de grandes áreas de vegetação nativa no entorno ou próximas aos plantios de açaí de terra firme pode aumentar em até quatro vezes a produtividade dessas plantações, em comparação com áreas sem floresta.
Essa descoberta, publicada no Journal of Applied Ecology no dia 12 de julho, destaca a importância da conservação da floresta para impulsionar não apenas a produtividade, mas também o lucro dos produtores e a preservação da biodiversidade.
De acordo com as informações da Embrapa, o estudo utilizou a abordagem da polinização integrada de cultivos, focando na introdução de colônias de abelhas nativas da Amazônia, especificamente a espécie Scaptotrigona postica, também conhecida como abelha canudo. Foram avaliados plantios de açaizeiro em terra firme, considerando diferentes níveis de floresta no entorno ou próximos às áreas cultivadas.
Além disso, os resultados revelaram que a presença das abelhas provenientes de áreas com floresta conservada aumentou em 30% o número total de visitas ao açaí. No entanto, houve uma redução média de 60% na abundância de abelhas silvestres provenientes das áreas florestais e uma diminuição de 50% na diversidade dessas espécies.
O estudo intitulado “Forest conservation maximizes açaí palm pollination services and yield in the Brazilian Amazon” foi conduzido por um grupo de cientistas de renomadas instituições, incluindo Embrapa Amazônia Oriental, Embrapa Meio Ambiente, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Mato Grosso (IFMT), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal de Goiás (UFG).
Os resultados ressaltam a importância da conservação florestal como estratégia fundamental para maximizar os serviços de polinização e a produtividade do açaí de terra firme na Amazônia brasileira.
A polinização é um fator crucial para a produção de frutos do açaizeiro, uma vez que é uma palmeira de polinização cruzada (auto incompatível) e apresenta flores masculinas e femininas em tempos diferentes nas inflorescências. Ou seja, precisa de um agente que transporte o pólen das flores masculinas para as flores femininas de touceiras diferentes e, assim, possibilite a fecundação e a formação de frutos.
“Estudos anteriores já mostravam que o açaizeiro tem uma mega diversidade de visitantes florais, como abelhas, moscas, vespas, besouros e formigas. Mas são as abelhas nativas da Amazônia os polinizadores mais eficientes dessa palmeira“, lembra a bióloga Márcia Maués, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental.
Para compreender o impacto da introdução de caixas de abelhas em meliponários móveis nos plantios e a relação com a floresta próxima a essas áreas, os pesquisadores fizeram um amplo trabalho de campo. O grupo avaliou 18 áreas de plantio de açaizeiro em terra firme, distribuídas em sete municípios do estado do Pará. A escolha dessas áreas foi condicionada à presença de mais ou menos floresta nas proximidades dos cultivos.
“No estudo, usamos um gradiente de cobertura florestal que vai de 10% a 40% no entorno ou próximo aos plantios e a abundância e riqueza de polinizadores silvestres presentes no ambiente”, afirma a pesquisadora.
Estratégias
A abordagem da polinização integrada de cultivos envolve tanto o manejo de polinizadores quanto o manejo da paisagem e foi a primeira vez que essa metodologia foi utilizada para os plantios de açaizeiro.
“Existem duas estratégias principais para promover os serviços de polinização: manejo de polinizadores (introdução de caixas de abelha dentro dos plantios) ou melhorar as condições ambientais para aumentar a abundância e diversidade de polinizadores nativos no ambiente”, explica o biólogo Alistair Campbell, pesquisador colaborador da Embrapa Amazônia Oriental.
O foco do trabalho, continua Campbell, foi integrar as duas estratégias para mostrar ao produtor qual a melhor opção em diferentes cenários. “Ao longo do gradiente florestal, quando e onde compensa o produtor trabalhar com abelhas manejadas? Sempre vale ou nunca vale?”, questiona o pesquisador.
O principal resultado apontado pelo trabalho, como explica o biólogo Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, é que, no caso do açaí, o manejo da abelha canudo contribuiu parcialmente para o aumento da produtividade, mas os custos envolvidos não justificaram a ação.
“Isso porque o aumento da produtividade com o manejo dessa espécie não foi tão grande quando comparado ao aumento proporcionado pela polinização prestada pela biodiversidade natural presente nas matas próximas”, afirma. Ele detalha ainda que, para poucos casos de polinização, o manejo de uma única espécie atende plenamente, mas para a grande maioria das plantas a diversidade de polinizadores é insubstituível.
O artigo finaliza um trabalho que iniciou em 2016 e envolve projetos que estudam as abelhas e polinização, financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (Abelha).
Mais visitas, menos diversidade
O trabalho apontou que, em um plantio sem o manejo de abelhas e com 40% de cobertura florestal ao redor, o número de visitas (abundância) de abelhas aos açaizeiros aumentou em 100%, em relação a uma área degradada com até 10% de floresta.
Já em um plantio nas mesmas condições com a introdução de abelhas manejadas, o aumento na taxa de visitação às flores teve um acréscimo de 30% no total de visitantes florais (manejados ou não). “No geral, verificamos que houve aumento no total de visitas, pois superlotamos a área com abelhas”, observa Maués.
Porém, ao analisar somente o desempenho dos polinizadores silvestres, aqueles presentes na natureza, a introdução das caixas de abelhas canudo provocou uma redução de até 80% na taxa de visitação das abelhas silvestres às flores e 50% na riqueza de espécies. A média na taxa de visitação ficou em 60%.
“As abelhas canudo provocaram o deslocamento dos insetos que poderiam estar ali visitando as flores do açaí. Elas são muito ativas, territorialistas e eficientes na coleta”, acrescenta a pesquisadora. Ela ressalta ainda que a cobertura florestal teve o efeito mais importante no aumento da taxa de visitação, pois a competição entre as espécies foi menos acentuada nos ambientes com mais floresta. “Nos ambientes com menos floresta em função da escassez de abelhas silvestres e de recursos, a Scaptotrigona dominou o espaço”, completa a cientista.
Para Cristiano Menezes, isso não significa que se vá desistir do manejo das abelhas no caso do açaizeiro. Tem-se que pensar nas múltiplas possibilidades que o produtor tem para que o sistema de polinização seja bem-sucedido, como manejar uma diversidade maior de abelhas nativas, assim como ocorre na natureza, e melhorar a paisagem no entorno nos plantios.
“É preciso mudar o olhar sobre a área de mata. Ao invés de ser considerada uma área perdida, ela deve ser vista como um ativo importante que traz renda para o proprietário. A restauração passa a ser um investimento”, pontua o cientista.
Ao invés de pensar o açaí como uma monocultura de larga escala, o produtor deve pensar no desenho da paisagem que favoreça a presença dos polinizadores na área, como corredores de mata entre os plantios.
“É importante que o produtor tenha em mente que ele precisa apostar nas áreas de mata. O manejo de polinizadores ajuda, mas dificilmente vai substituir a floresta, pois essas áreas é que vão garantir a provisão do serviço ecossistêmico de polinização”, finaliza Menezes.