“Queremos a aprovação do Fundo de Catástrofe para a próxima safra”, disse o governo federal ao Canal Rural. O ano era 2009, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda ocupava o cargo mais importante da República. Apesar de ter sido aprovado em 2010 como o Executivo queria, até hoje, o fundo segue como uma lei para inglês ver.
A lei 137 de 2010, que instituiu o Fundo de Catástrofe, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 27 de agosto. A ideia era modernizar a fonte de recursos para compensar as seguradoras quando o valor dos sinistros superasse em muito o valor arrecadado. Diminuindo os riscos de prejuízos para essas empresas, o governo acreditava que conseguiria baratear e popularizar o seguro rural.
À época, cerca de 10% da área plantada eram seguradas, e a expectativa era de que esse percentual chegasse a pelo menos 50% em cinco anos. No ano passado, quando a lei completou 10 anos, apenas 20% das lavouras eram cobertas, segundo dados do Ministério da Agricultura.
O problema é que o governo nunca regulamentou o Fundo de Catástrofe. Basicamente, cabia ao Executivo federal estabelecer os pormenores, como de onde viria o recurso inicial, quem administraria o fundo, como funcionariam as cotas etc.
“Algumas leis, por si só, quando são sancionadas já passam a valer. Outras precisam de uma regulamentação própria e é ela que está faltando. Definição de regras e operacionais. Isso, de 2010 até hoje, não foi feito”, afirma Rafaela Parra, sócia do Araúz Advogados. “Enquanto não vier, fica como uma lei para inglês ver”.
Como é hoje e o que muda com o Fundo de Catástrofe?
Até hoje, a fonte de recursos para compensar as seguradoras é o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR), que está atrelado ao Orçamento da União, e precisa ser desenhado pelo governo federal e aprovado pelo Congresso, ano a ano.
Como aconteceu neste ano, as discussões sobre o Orçamento podem se estender por meses, prejudicando o bom andamento das políticas públicas. “O fundo atual fica dependente da aprovação orçamentária, de burocracias”, explica Danielle Martins, também sócia do Araúz Advogados.
Já o Fundo de Catástrofe contaria com recursos do governo apenas no início, mas depois passaria a ser composto e gerido pela iniciativa privada, podendo ter participação voluntária da União. “Ele será independente, terá o patrimônio próprio. A pessoa jurídica que estiver gerindo este fundo terá autonomia e poderá aplicar os recursos. Não vai depender de questões orçamentárias e políticas públicas”, afirma Danielle.
Poderiam participar do novo fundo seguradoras, resseguradoras, regulamentadoras e até mesmo cooperativas e a agroindústria. “O patrimônio dele não vai se confundir com o de seus cotistas, sejam as empresas ou a união”, destaca ela.
Por que o Fundo de Catástrofe é importante?
O custo do seguro é calculado pelas empresas com base nos riscos. A advogada Rafaela Parra explica que diferente de um acidente de carro, que geralmente é um problema individualizado, as catástrofes na agricultura costumam abranger grandes grupos.
“O agronegócio é uma uma indústria a céu aberto, muito exposta a riscos climáticos. O que torna segurar uma lavoura mais perigoso do que um automóvel é o efeito cascata. A avaliação de risco é por região, porque quando temos uma quebra de safra por problema climático ou catástrofe, será muito difícil que seja um problema individualizado. É bem provável que se estenda a outras propriedades da região, gerando a necessidade de desembolso maior das seguradoras”, afirma Rafaela.
As advogadas acrescentam que o Fundo de Catástrofe também colocará à disposição das empresas mais recursos e de forma mais rápida. Isso pode atrair mais seguradoras para o segmento. “A ideia é trazer mais eficiência para toda essa sistemática”, diz Danielle.
Rafaela Parra afirma que é necessário uma iniciativa do governo federal para tirar a lei do papel. “O que impede que isso seja feito, eu não sei”.
Quem deveria saber sobre
A reportagem do Canal Rural procurou os ex-ministros da Agricultura Blairo Maggi (governo Temer) e Kátia Abreu (governo Dilma),para entender em que pé estava o projeto durante suas gestões e por que ele não saiu do papel. Ambos decidiram não se manifestar.
Procurada pela reportagem, a gestão atual do Ministério da Agricultura se limitou a dizer que “esse projeto está em fase inicial de discussão”.
Segundo o ex-ministro Roberto Rodrigues, Tereza Cristina vem ampliando bastante os recursos para subvenção do seguro rural, mas este ano o trabalho foi limitado pelos gastos do governo federal com a pandemia da Covid-19.
Ele defende que o governo deve levar o Fundo de Catástrofe à frente porque é uma forma de fomentar o seguro rural e reduzir gastos com equalização de dívidas dos produtores rurais em anos de problemas climáticos. “Resolve o problema da renegociação que é penosa, e não é suficiente para todo mundo”, diz.
Rodrigues destaca ainda que quando um produtor quebra, toda a cadeia é afetada, desde as vendas insumos e máquinas agrícolas até os bancos e instituições que emprestaram crédito rural.
Enquanto isso, o agricultor sente na pele
O agricultor rural não é tolo. Ele sabe que as intempéries climáticas têm sido cada vez mais frequentes e que não dá para contar com a sorte sempre. Então por que o seguro rural não avança no Brasil? Segundo os produtores, porque muitas vezes não há recurso suficiente para todos.
O produtor Leonardo Waulczinski, de Itapejara D’Oeste (PR), conta que apenas 30% da área plantada na fazenda conta com seguro. Com o atraso da soja, ele resolveu dedicar uma área que iria para o milho segunda safra para o cultivo de feijão, mas por conta da escassez de recursos para quem se enquadra no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ele conseguiu proteção para apenas 50% da lavoura de feijão. A safrinha de milho, por sua vez, está totalmente desprotegida.
E isso se dá em um ano bastante complicado, de acordo com o produtor. Choveu bem até janeiro, mas fevereiro e março tiveram chuvas abaixo do ideal, o que se repete agora em abril. “Estamos há cerca de 40 dias sem chuva. O solo está extremamente seco, e a planta está se entregando. Teremos sérios prejuízos”, diz.
“Eu queria aderir, mas falta recurso. Os órgãos tinham programado certos valores, mas como os preços dos insumos subiram, ultrapassou”, conta.