De acordo com dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a mercearia seca (cereais, farináceos, grãos, etc) representa a principal seção em termos de faturamento, com 23,4% do total em 2010. Os perecíveis (frios, laticínios, congelados) estão na sequência, com 13,8% de importância. Com análise separada dos demais perecíveis, o açougue teve 7,6% de participação e a seção de frutas, legumes e verduras ficou com 6,1% de representatividade. Outra área de peso para o setor foi a mercearia líquida, com participação de 12,2%.
O diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszkowicz, disse que a concentração no setor varejista é sempre danosa para os fornecedores, de maneira geral, e não deve ser diferente no caso da negociação de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour no Brasil.
? Os varejistas aumentam seu poder de negociação, o que pode significar pressão sobre os preços, contratos comerciais que se tornam difíceis de serem cumpridos pelo fornecedor, entre outros. Pior: esse tipo de movimento não significa que os preços dos produtos vão baixar ao consumidor ? disse.
Nathan considera, no entanto, que o movimento é inevitável por causa da forte concorrência no varejo.
? O que se teme é o efeito de desigualdade de negociação, fazendo com que pequenas e médias empresas principalmente se tornem inviáveis como fornecedoras para as grandes redes ? acrescentou.
Conforme dados da Abic, os supermercados são o principal canal de distribuição do café, representando cerca de 70% de todo o produto vendido no país. Em 2010, o consumo de café no Brasil alcançou cerca de 19 milhões de sacas de 60 quilos.
O diretor executivo explicou que a negociação com as redes varejistas é muito complicada.
? Os contratos apresentam diversos níveis de exigências, que muitas vezes o fornecedor não tem condições de arcar ? garantiu.
Ele citou, por exemplo, descontos impositivos, menor preço em comparação com a concorrência e o chamado ‘enxoval’, que são mercadorias gratuitas para inauguração de novas lojas.
Segundo Nathan, essa situação dificulta a participação de pequenas e médias empresas no grande varejo.
? Hoje o número de marcas de café já é muito pequeno, cerca de cinco ou seis, nas grandes redes supermercadistas. Tempos atrás havia mais marcas, inclusive regionais, mas ocorreu uma seleção de fornecedores ? concluiu.
De acordo com dados da Abras, o grupo das 50 maiores empresas do setor foi responsável pelo faturamento de R$ 128,8 bilhões em 2010. Juntas, somaram 6.041 mil lojas e empregaram cerca de 500 mil pessoas. O grupo das 50 maiores saltou de uma representatividade de 60% em 2009 para 64% no faturamento do setor em 2010.
Lácteos
A concentração também preocupa o segmento de lácteos, uma das cinco categorias mais vendidas nas redes do varejo de alimentos, considerou o diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Leite Longa Vida (ABLV), Nilson Muniz.
? A indústria é penalizada. O processo beneficia mais o lado que está concentrado e gera uma relação desigual ? afirmou.
Toda a cadeia será pressionada, diz.
? O comércio é o elo entre o produtor e o consumidor. E, no caso do leite, isso atinge mais diretamente o produtor. Não há milagres.
A entidade também vê com preocupação a possibilidade de ampliação das marcas próprias de leite da rede resultante da fusão.
? Isso inibe a inovação, desenvolvimento de novos produtos ? opina.
De acordo com dados da entidade, a produção de longa vida deverá alcançar 5,7 bilhões de litros em 2011, com faturamento de R$ 10 bilhões. As redes de supermercados são o principal canal de vendas do segmento.
Trigo
Para um executivo do setor moageiro, se hoje a indústria de farinha de trigo já arca com custos expressivos para colocar seu produto em destaque nos supermercados, ou tê-lo em iguais condições entre as demais marcas, a prática ficará ainda mais onerosa com a junção dos dois grandes varejistas. Nas palavras desse empresário, a economia perde com o que chamou de “ditadura do varejo”, pois são os pequenos e médios comerciantes – os que mais contratam mão-de-obra – os maiores prejudicados pela concentração, já que terão dificuldade para negociar.
Além da indústria, também o consumidor será prejudicado, disse a fonte, considerando que em algumas regiões a concorrência entre as duas empresas, que hoje faz diferença no preço, deixará de existir. Para o executivo, outra discrepância é a participação do BNDES na operação.
? Por que o uso de dinheiro público nesta transação? ? questionou.
Carnes
No setor de carnes a apreensão é a mesma.
? Estou preocupado há muito tempo com a concentração no varejo. É ruim para o consumidor e para as diversas cadeias do agronegócio ? disse o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar.
Para ele, as margens do varejo vão ficar ainda maiores do que já estão. Já o superintendente da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Luciano Vacari, considerou que processos de concentração são irreversíveis, mas ressaltou a importância de haver regras que protejam o consumidor.
Uma pesquisa realizada pela Acrimat, junto com o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), mostrou que, nos últimos cinco anos, enquanto a arroba do boi gordo se valorizou 85%, as peças comercializadas no varejo aumentaram 142%.
? Alguém precisa ficar de olho nisso ? alertou Vacari.
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), Pedro de Camargo Neto, a fusão não faz sentido.
? Acho absurda essa concentração no varejo e ainda mais com a ajuda do BNDES. Espero que os órgãos públicos responsáveis por avaliar a operação ajam olhando o impacto sobre a agroindústria e o consumidor. Ainda não entendi a lógica da fusão ? declarou.
O executivo de uma grande fabricante de bebidas, que preferiu não se identificar, declarou que toda concentração no varejo é ruim para o setor industrial.
? Podemos perder nosso poder de negociação. Mas vamos esperar o que vai acontecer, porque ainda há a briga entre os acionistas do Pão de Açúcar ? completou.