Existe a expectativa de que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão responsável por impedir fusões e aquisições que prejudiquem a concorrência, finalmente aprove a fusão das empresas, negócio que se arrasta desde maio de 2009.
É certo que haverá restrições. A principal delas será a retirada da marca Perdigão por um período de pelo menos cinco anos de alguns mercados em que a concentração resultante da fusão é muito grande, como os de salsicha, pratos prontos e pizza. Além disso, outras marcas, como a Batavo, seriam colocadas à venda.
A BRF Brasil Foods, líder no segmento de aves, suínos e industrializados de carne no país, não é apenas a maior empresa de Santa Catarina, com receita líquida de R$ 23 bilhões, mas uma das cinco maiores do mundo no seu segmento.
O tamanho deste gigante pode ser observado em uma consulta ao site do Angeloni, a maior rede supermercadista do Estado. Entre carnes, frios, laticínios e refeições prontas, é possível escolher entre 121 produtos da Perdigão e 92 da Sadia. Grandes concorrentes catarinenses vêm bem atrás. Existem 61 produtos da Seara, 30 da Tyson/Macedo e 19 da Aurora. Juntas, as três não chegam ao número da Perdigão.
Espaço disputado com agressividade
Segundo o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), Eduardo Terra, menos opções da BRF nas gôngolas dos mercados pode ser uma boa notícia, ao menos no curto e médio prazos.
? Quando sai do mercado um competidor com uma participação razoável, outras empresas atuam com muita agressividade comercial para ganhar aquele espaço. Isso pode se refletir em ofertas e preços mais baixos ? diz, referindo-se à saída da marca Perdigão.
Passada a fase inicial, o espaço deixado por uma das marcas premium da BRF pode levar a uma concentração de marcas. Para Terra, este cenário pode não se concretizar porque haveria tempo de outros competidores entrarem na disputa. Ele cita a Nestlé e a Unilever como exemplos de empresas que poderiam estrear nestes segmentos.
? A janela de oportunidade pode fazer com que projetos engavetados por grandes empresas saiam do papel. Só vejo pontos positivos para o consumidor ? afirma Terra.
A coordenadora institucional da Associação de Consumidores Proteste, Maria Inês Dolci, vê a aprovação da fusão com mais reticência.
? Dificilmente teremos uma redução de preços, porque vai reduzir a oferta de produtos no mercado. Nossa preocupação é com a falta de concorrência e de preços para a escolha do consumidor ? salienta.
A Proteste promete acompanhar com atenção os desdobramentos da decisão do Cade e monitorar os segmentos que podem ser afetados.
Aurora pode sair beneficiada
Se a BRF tiver de vender até um terço das suas unidades e as marcas de combate ? criadas pra impedir que consumidores deixem a empresa por causa do preço ?, a catarinense Aurora certamente estará no grupo de possíveis compradores.
A cooperativa, terceira maior do país, com receita de R$ 3,1 bilhões em 2010 e sede em Chapecó (SC), já tem mapeadas as unidades de seu interesse. O presidente da Aurora, Mário Lanznaster, confirma que pode comprar plantas industriais em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, no Paraná ou em Mato Grosso do Sul com dinheiro próprio ou por meio do aporte de outras cooperativas.
? Fora estes Estados, não seria fácil. Minas Gerais e Goiás estão fora de cogitação ? adianta Lanznaster.
Para ele, o mais importante sobre a decisão esperada para esta quarta, no Cade, é que seja cumprida a lei que impede a concentração de mercado.
A cooperativa diz que as marcas menores das quais a BRF terá de se desfazer não estão no seu radar porque a estratégia da Aurora é fortalecer a sua própria marca e ampliar e diversificar a sua produção. As vendas cresceram 12% no mercado brasileiro em 2010, mas, apesar dos 700 produtos, 62% da receita está concentrada em carne suína.
Claro que a oportunidade aberta pelo acordo entre BRF e Cade não se limitará a empresas catarinenses. Outros concorrentes de peso do segmento de alimentos também estão de olho. A Tyson, detentora da marca Macedo, e a Marfrig, da Seara, são dois nomes óbvios nesta reconfiguração de mercado. As empresas não quiseram comentar o assunto.
? Se empresas como o frigorífico JBS, a Marfrig ou a Tyson comprarem alguma unidade em SC, teremos uma diluição maior do mercado. E isso nos interessa também, porque haverá mais concorrência ? avalia Lanznaster.
Para o presidente da Associação Catarinense de Avicultura (Acav), Clever Pirola Ávila, os ativos da BRF atrairão empresas de fora.
? Há estrangeiros querendo marcar presença no nosso mercado, e esta poderá ser uma boa oportunidade de negócio. Sem dúvida haverá uma boa competição na busca por estes ativos e marcas ? avalia.
As ações da BRF subiram 3,34% nessa terça, na expectativa para a reunião do Cade, enquanto a Bovespa registrou baixa de 0,86%. Na avaliação da área de análise da XP Investimentos, o mercado deve reagir positivamente se a fusão for aprovada. Além dos papéis da BRF, os da Marfrig, que poderia ser beneficiada com a venda de ativos e marcas da concorrente, também podem subir de preço no curto prazo.