A afirmação foi feita pelo pesquisador e mestre em antropologia social, de 45 anos, em entrevista à Agência Brasil. Os estudos de identificação das áreas em Mato Grosso do Sul serão retomados no próximo dia 20 por equipes técnicas, e o desejo de Meira é que sejam concluídos até o fim do ano.
Ilhados em pequenas áreas demarcadas nas primeiras décadas do século passado, em meio a grandes posses rurais, os Guarani Kaiowa passam por um dramático processo de violência e autodestruição que já resultou em inúmeras mortes por suicídio e assassinatos. Meira admite a responsabilidade histórica da União pela situação, que tem de ser corrigida.
? É uma questão de honra do país, não apenas para o presidente da Funai. O Brasil está sendo observado internacionalmente Trata-se de uma questão humanitária muito séria. Não podemos aceitar que, no âmbito da nação brasileira, tenhamos um grupo indígena vivendo nas condições precárias em que os Guarani Kaiowá vivem hoje ? afirmou Meira.
O presidente da Funai reconhece a complexidade da situação fundiária em Mato Grosso do Sul e prega cautela na condução dos estudos antropológicos. O trabalho chegou a ser iniciado no ano passado, mas foi paralisado depois que equipes foram ameaçadas. Para não acirrar mais o conflito, a Funai paralisou os trabalhos e iniciou um diálogo com o setor produtivo e o governo do estado, com acompanhamento do Ministério Público Federal. O certo é que os estudos terão de ser concluídos.
? Só com base nesses estudos vamos ter um quadro mais claro de quanto será necessário fazer para o reconhecimento das terras tradicionalmente ocupadas. E é isso também que vai garantir segurança jurídica para o desenvolvimento do Estado ? argumentou Meira.
? É um caso de muito conflito e exige cautela. Vários indígenas foram assassinados na região, sofrem violência e preconceito. É uma região em que a expansão econômica da agroindústria foi muito forte nos últimos anos. Não queremos que garantia dos direitos dos povos indígenas seja feita com sangue e com mortes ? acrescentou.
A área reivindicada pelos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul está ocupada por pessoas que receberam títulos de posse. O governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945 e 1950-1954) fez um projeto de colonização no estado. Fazendeiros que hoje produzem lá soja, cana e etanol são netos daqueles que foram para lá como pioneiros. Mesmo assim, segundo Meira, prevalece o direito originário dos índios sobre as terras.
? Vale mais o direito originário do índio, que é constitucional. Todos os atos normativos são nulos quando o Estado reconhece que a terra é tradicionalmente ocupada pelos índios ? defendeu Meira.
Independentemente do trabalho de identificação preparado pela Funai, a disputa pelas terras em Mato Grosso do Sul pode acabar na Justiça. Na decisão referente à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu condicionantes às quais, em tese, estariam submetidas a futuras demarcações. Uma delas estabelece a vedação do aumento de áreas já demarcadas, mas, no entender da União, isso só se aplica às demarcações feitas após a Constituição de 1988.
? Há uma quantidade de terras demarcadas muito antes [da Constituição de 1988], nas décadas de 20, 30 e 40, quando os critérios não eram antropológicos. Muitas vezes, essas terras foram demarcadas expropriando de forma abusiva e violenta a população indígena que ali estava ocupando-as de forma tradicional. Estamos falando de correção de limites de terras indígenas tradicionalmente ocupadas ? ressaltou o presidente da Funai.