No Porto Intermodal de Pederneiras, no interior de São Paulo, o trabalho tem sido de manutenção das embarcações, que estão paradas há três meses. Esteiras e armazéns também já não têm mais uso. Na maior transportadora do local, mais de 700 funcionários foram demitidos, entre eles Lázaro de Assis, que mudou com a família para trabalhar no local e sempre atuou nesse ramo. Ele ainda não sabe o que fazer.
– Hoje eu vejo esse lugar aqui, olhando assim é um deserto, né. Por que o tanto de pessoas que eram empregadas aqui era muito grande, trabalhava-se dia e noite. Hoje tá tudo parado. Faz uma semana que eu tô desempregado, não tomei nenhuma decisão ainda, espero que volte a navegação e eu tenha meu emprego de volta – diz Assis.
As embarcações traziam os produtos de Goiás até Pederneiras pela Hidrovia Tietê-Paraná. Chegando ao destino, a carga era depositada nos armazéns e, em seguida, despachada para o Porto de Santos por meio de trens e caminhões. Uma atividade que gerava empregos e era também bastante lucrativa, como aponta José Gheller, do departamento de engenharia da DNP Indústria de Navegação Ltda.
Rio em volume normal, em 2013.
– O transporte rodoviário custa de três a cinco vezes mais caro que a hidrovia nesse trecho, dependendo da época. Além disso, aumenta-se muito o número de caminhões nas estradas, aumenta a poluição. Um comboio na hidrovia transporta em torno de seis mil toneladas, o que equivale a 200 caminhões a mais na estrada por comboio.
A navegação foi interrompida em maio deste ano quando um trecho do rio, na cidade de Buritama, também no interior paulista, passou a registrar baixos níveis, impedindo a passagem das embarcações. Na época, o repórter João Henrique Bosco esteve no local e mostrou que a profundidade num dos pontos mais críticos da hidrovia, que normalmente é acima de cinco metros, estava abaixo de dois metros de profundidade.
De maio pra cá a situação ficou muito pior. Em vários pontos, a distância do fundo até a superfície já não passa de um metro. Para o diretor técnico da Regional do Baixo Tietê-Paraná, Marcos Vinícius Silva Victorino, o problema não é apenas a seca, mas a política energética do Operador Nacional do Sistema, que controla a geração de energia elétrica.
– A estiagem tem sido o fator principal, mas a política um tanto conservadora do ONS, no sentido de privilegiar a geração de energia em detrimento a outros usos. No caso da navegação esse tem sido, talvez, o principal responsável pela interrupção do serviço, uma vez que não se tem praticado o acúmulo de água nos reservatórios intermediários de Três Irmãos e Ilha Solteira, no meio da hidrovia Tietê-Paraná – aponta Victorino.
O desvio da água para a produção de energia tem sido discutido com o governo, mas o diretor do Departamento Hidroviário acredita que a solução mais rápida deve vir com uma obra para aprofundar o rio em dois metros numa extensão de 10 quilômetros. A intervenção seria feita com recursos dos governos estadual e federal, em uma obra avaliada em R$ 280 milhões.
Mesmo assim, Victorino diz que a obra apenas amenizaria situações críticas com a deste inverno.
– Se o ONS persistir com essa política de manter níveis tão baixos de reservatório, até mesmo essa obra não será uma solução completa. Ou seja, não interromperíamos a navegação, mas a faríamos com restrição também. A gente entende que até o final de agosto o licenciamento ambiental esteja resolvido e que já no segundo semestre deste ano a obra seja licitada.
Com armazéns vazios e trens parados, o prejuízo da principal transportadora de Pederneiras deve chegar a R$ 60 milhões, caso o problema se araste até o final do ano. Para as empresas, a lei não está sendo respeitada.
– Existe uma lei de uso múltiplo das águas que estabelece que seja mantido nesta hidrovia dois metros e meio de calado para as embarcações navegarem e essa lei tem sido desrespeitada – completa José Gheller.
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