Instalada em uma região por onde devem ter desembarcado cerca de um milhão de africanos escravizados, atual cenário de um dos maiores projetos de revitalização da cidade do Rio para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, as 25 famílias da comunidade Pedra do Sal disputam a posse de suas casas com a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência (VOT) e devem enfrentar um processo complicado até a emissão do título de posse.
Elaborado com base em laudos antropológicos, o documento do Incra declara que as famílias da Pedra do Sal são donas de uma área de 3.534 metros quadrados onde estão imóveis da Venerável Ordem Terceira, ligada à igreja Católica. A instituição alega ter herdado, de dom João VI, os terrenos, onde atualmente desenvolve projetos sociais, mas, segundo o Incra, não há documentos que comprovem essa doação. Procurada, a instituição não respondeu à Agência Brasil.
O superintende do instituto no Rio, Gustavo Souto, explica que as informações levantadas indicam que a área onde estão as famílias da Pedra do Sal pertence à União. Segundo ele, com a publicação do relatório, a VOT terá 90 dias para contestar os dados e deve procurar a Justiça, assim como já fez anteriormente, na tentativa de barrar a regularização fundiária da comunidade.
A comunidade de Sacopã (Família Pinto), localizada na Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul, também deve enfrentar um processo contra os vizinhos, antes de conseguir o título de posse do terreno, assegurado pela Constituição às comunidades remanescentes de quilombo. Segundo o superintendente, “os moradores do bairro, um dos mais nobres da capital, já demonstram nos argumentos preconceito infundado contra os vizinhos quilombolas”.
? Se ninguém contestar nada, se não houver um processo judicial longo, fora do controle do Incra, os títulos das três comunidades saem no próximo ano. Mas o mais provável são contestações contra Sacopã e Pedra do Sal. Já Cabral, em Paraty, deve trilhar um caminho mais simples ? afirmou o superintendente.
Mesmo diante de mais uma disputa, os remanescente da Pedra estão confiantes, pois a VOT perdeu na Justiça outros processos contra a comunidade.
? Passamos apertos, com desocupações forçadas e ameaças até a finalização do relatório [do Incra]. O fato de ele ter sido publicado é uma grande vitória ? declarou o presidente da Associação de Moradores, Damião Braga.
Conhecida como Pequena África, a zona portuária do Rio é marcada por elementos da cultura afro-brasileira. Além do quilombo, abriga um antigo cemitério de escravos e o monumento à Pedra do Sal. No local, os estivadores, negros recém-libertados, descarregavam o sal e se reuniam em rodas de samba. Ali surgiram nomes como Donga, Pixinguinha, João da Baiana e Heitor dos Prazeres.
Atualmente, no Largo da Pedra do Sal, sambista se encontram duas vezes por semana.