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Quatro anos depois, o que se vê é um espaço abandonado. Antes da demarcação, os produtores que viviam ali pagavam os custos para manter a balsa que atravessa o rio em atividade. Hoje, falta diesel para transportar os moradores. Índios que vivem na reserva precisam manter suas famílias com uma ajuda de cerca de R$ 150,00 por mês, que vem do governo.
Morador da Raposa Serra do Sol, o índio da etnia macuxi Adriano Nascimento afirma não sentir nenhum impacto na reserva após a saída dos produtores rurais, mas acusa a Fundação Nacional do Índio (Funai) de se preocupar apenas com documentação e abandonar as comunidades indígenas.
– A Funai até agora está sempre papel, está envolvida em pouca coisa por aqui. Eles deixaram o pessoal pra morar aí, mas não tem esse desenvolvimento – explica.
Para chegar até Raposa Serra do Sol é preciso atravessar a reserva indígena São Marco. O que se vê são as savanas em plena seca. O gado circula em busca de comida e, pelo caminho, a morte de algumas cabeças.
As ruínas presentes na reserva São Marco pouco lembram o passado movimentado da região, quando a Coroa Portuguesa instalou a sede da fazenda São Marcos no local, em 1822. Foi assim que começou a colonização de Roraima. Agora, a comunidade conta com luz elétrica apenas em horários determinados, pois o gerador é alimentado somente com 1,3 mil litros de diesel por mês, pagos pelo governo do Estado.
A Funai administrou o gado e a produção que ficaram depois da demarcação da reserva São Marcos na década de 1970, mas não prestou contas e os documentos ainda estão espalhados por toda parte.
– Eles que negociavam, que vendiam, e nunca prestaram conta a ninguém. Na época o Ministério Público Federal acho que sequer exisitia, e ficou por isso mesmo. Nós não sabemos o que foi feito com os recursos, mas o que podemos observar é o total abandono, a situação de miséria das pessoas que vivem aqui – afirma o deputado federal Marcos Junqueira (DEM-RR), em visita ao local.
Os produtores rurais expulsos dos locais demarcados como terras indígenas também reclamam. Segundo Ivo Barili, que foi expulso das terras em 2009, técnicos concluíram que o valor de bem feitorias passaria de R$ 8 milhões. A Funai avaliou em R$ 250 mil e acabou pagando apenas um terço da indenização prevista.
– Só recebi R$ 96 mil até agora e não me deram outra terra, nada, não recebi nenhuma área. Tinha que dar um jeito de voltar pra lá pra produzir de novo, eu tenho esperança – afirma Barili.
Estradas e saúde
Estradas de terra batida esburacadas, pontes de madeira precárias põem em risco a vida dos moradores e dificultam o socorro para quem tem necessidade de serviços de saúde, além de dificultarem o escoamento da produção na região. Os índios reclamam que, depois da retirada dos arrozeiros, o governo estadual deixou de fazer a manutenção das vias que cortam a região.
A reclamação sobre a falta de manutenção das estradas é constante. Em geral, os índios levam até quatro horas para percorrer de carro uma distância de 60 quilômetros.
– A dificuldade que a gente enfrenta na minha comunidade, na comunidade de Cumanã, é com o transporte, para escoar a produção. Porque o que nós produzimos lá não tem como escoar, para trazer para outras comunidades – contou o tuxaua da comunidade Cumanã, Tarzan Alves. Tuxaua é a designação que os índios macuxis dão a seus líderes. A comunidade planta batata, mandioca, milho e banana, mas não tem como escoar a produção.
– Quando foi a época da luta, o governo do Estado disse que ia tirar as estradas, que ia tirar a educação e a gente viu isso. Com certeza vocês passaram por essas estradas. Tem muita buraqueira – reclamou Abel Lucena da Silva, o coordenador da Região da Serra, uma das oito que compõem Raposa Serra do Sol.
A falta de apoio do governo estadual à construção e manutenção das escolas e postos de saúde também é motivo de reclamação dos índios.
– Hoje tem umas construções das nossas escolas em que só existe a base. A saúde, o posto de saúde é construído pela própria comunidade – observa o líder.
Os índios contam com os agentes de saúde indígenas para tratar das doenças mais simples. Eles também apostam na medicina tradicional, praticada pelos pajés e benzedeiras. Contudo, quando existe um caso mais grave, o pedido de socorro é feito pelo rádio. É neste momento que as estradas precárias se transformam em um problema. Devido à dificuldade de acesso, geralmente, os índios têm que ser transportados por aviões.
É o caso da comunidade Serra do Sol, localizada na fronteira com a Guiana e a Venezuela, onde vivem os povos ingaricós e cujo acesso se dá exclusivamente por avião. A viagem dura 50 minutos. Com uma população de 1.400 habitantes, até pouco tempo eles eram nômades. Agora vivem em pequenas comunidades e têm que se adaptar à vida sedentária.
Os índios sofrem problemas de saúde decorrentes da falta de saneamento básico.
– A doença que nós temos é a diarreia e o vômito, principalmente entre as crianças e os idosos – relata o agente de saúde Romário Felipe Miguel que trabalha em um posto da comunidade, construído pelos próprios índios.
Ele conta que os médicos visitam a comunidade a cada dois meses e que os doentes mais graves dependem de deslocamento aéreo fornecido pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde.
Em função da mudança brusca nos hábitos, os índios encontram dificuldades para se adaptar ao novo modo de vida. A maioria deles só se comunica no idioma ingaricó e ainda está aprendendo a criar animais para a alimentação.
– Hoje, a comunidade está em local fixo, por causa do posto de saúde e da escola. O acúmulo de pessoas no local gera doenças, pois não temos nenhum tipo de saneamento e de tratamento de água, [o que] requer o fornecimento de medicamento, presença de médicos e de enfermeiros – conta o professor indígena Dilson Domente Ingaricó.
Para tentar solucionar o problema os índios estão buscando instalar um sistema de abastecimento de água encanada, mas novamente esbarram na dificuldade do acesso.
– Estamos contando com o apoio da Força Aérea para transportar os canos até a comunidade e instalar o abastecimento de água – relata o professor ingaricó.