Julgamento sobre terra indígena em Caarapó (MS) deve ser concluído na próxima semana

Proprietário pede que suas terras não sejam declaradas como posse imemorial da etnia guarani-kaiowáFicou para a próxima semana a conclusão do julgamento do recurso apresentado pelo proprietário rural Avelino Antonio Donatti ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a declaração de sua fazenda como posse da etnia guarani-kaiowá. A propriedade fica em Caarapó, Mato Grosso do Sul.

Em voto-vista na sessão desta terça, dia 9, a ministra Cármen Lúcia manifestou-se a favor do recurso, seguindo a posição do ministro Gilmar Mendes, que na sessão de 24 de junho votou a favor do recurso do proprietário contra a declaração de suas terras como sendo de posse imemorial (permanente) da etnia guarani-kaiowá, integrando a Terra Indígena Guyraroká.

O processo já tem o voto contrário do ministro Ricardo Lewandowski, que entendeu que o mandado de segurança não é o instrumento judicial adequado para discutir esta questão. Com a votação em 2 a 1, impedido o ministro Teori Zavascki, o STF decidiu concluir o julgamento na próxima sessão, quando o ministro Celso de Mello deverá se manifestar.

Salvaguardas

Segundo a ministra, ela segue os princípios que orientaram as salvaguardas fixadas pelo Plenário do STF no julgamento do processo que tratou da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Naquela ocasião, decidiu-se que o marco temporal da ocupação indígena seria a data da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 5/10 daquele ano.

A ministra ressaltou que não há controvérsia quanto à inexistência de índios na região naquela data, conforme atesta o laudo antropológico que subsidiou o processo administrativo que resultou na demarcação da Terra Guyraroká, transcrito nos autos. Segundo este documento, os índios ocuparam a região até o início da década de 1940, quando os fazendeiros começaram a comprar terras do estado e tornaram inviável sua permanência no local.

Até o início da década de 1980, alguns grupos indígenas permaneceram no local como peões de fazenda, como parte da estratégia de permanência nas terras onde sempre viveram, mas nessa época as últimas famílias deixaram o local.

– O laudo afasta quaisquer dúvidas sobre a anterior ocupação indígena na região onde está o imóvel, adquirido em agosto de 1988. Há mais de 70 anos não existe comunidade indígena na região – afirmou a ministra.

Insegurança jurídica

A ministra Cármen Lúcia também manifestou, no início de seu voto, seu “desassossego” diante da dificuldade de uma solução judicial que atenda igualmente aos anseios da comunidade indígena, “há muito desapossada de suas terras, muitas vezes agravada em seus direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana”, mas também do produtor rural, “que, confiando na validade de título de domínio outorgado pelo próprio poder público, se vê ameaçado no que considera seu direito”. O equacionamento do problema, segundo ela, deve-se fundamentar “na garantia das relações sociais e na confiança que todos devem ter nos atos estatais”.

Para a ministra, o reconhecimento da tradicionalidade da ocupação indígena, neste caso, apenas pela posse imemorial instauraria “um grave caso de insegurança jurídica a desestabilizar a harmonia que hoje gozam cidadãos até mesmo em centros urbanos que, em tempos remotos, foram ocupados por comunidades indígenas”.

Ela chamou atenção para o “desolador quadro de instabilidade social e jurídica” existente na região, “que tem desamparado ambos os lados da disputa pela terra”, mas ressaltou que o problema não tem passado despercebido ao Poder Judiciário, “que não se distanciou de sua incumbência constitucional de analisá-la em profundidade, apresentando alternativas para construir soluções capazes de pôr fim a um conflito no qual não há vencedores, apenas vencidos, todos em situação de desagrado e desolação quanto a seus direitos, que nunca se veem plenamente atendidos”.

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Entenda o caso

A área reivindicada pela etnia guarani-kaiowá já passou pelos estudos de identificação e delimitação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e foi declarada terra indígena pela Portaria n° 3.219/2009 do Ministério da Justiça. Faltam a colocação de marcos físicos, que limitam a área, e a homologação pela Presidência da República. A área total da Terra Indígena Guyraroká é de 11.401 hectares. Ela está localizada em Caarapó, município próximo a Dourados.

A ação é polêmica, pois o Ministério Público Federal (MPF) defende que há provas de que os indígenas viviam na região há mais de 100 anos, e começaram a ser expulsos da região no final dos anos 1920. O MPF tem uma série de ações para restaurar direitos das etnias de Mato Grosso do Sul, que considera terem sido expulsas à força de seus territórios ou reunidas em pequenas áreas, para dar lugar à agropecuária.

Segundo dados do MPF, Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país – 70 mil pessoas – e é palco das disputas de terras que geram os mais altos índices de homicídios do país. Em 2008, a taxa de homicídios entre os guarani-kaiowá foi de 210 por 100 mil habitantes, 795% maior que a média nacional.