O acordo entre as entidades e a multinacional foi firmado após as mesmas impetrarem, e vencerem, uma ação na Justiça requerendo a devolução do dinheiro pago de forma indevida pelos produtores como royalties sobre a variedade RR1. Porém, o posterior contrato selado entre as partes reverteu as indenizações em descontos para aquisição de uma nova variedade, a Intacta RR2 PRO, muito resistente aos danos do ataque da praga Helicoverpa armigera. Este acordo foi questionado por cinco sindicatos rurais do Estado na época: Sinop, Cuiabá, Novo São Joaquim, Nova Canaã do Norte e Vera.
Segundo a entidade representante dos produtores rurais de Sinop, que entrou na Justiça, a cobrança de royalties era efetuada de maneira equivocada, uma vez que extrapolava a incidência sobre a semente, acumulando sobre a produção da propriedade, bem como sobre as sementes reservadas do produtor. O advogado do sindicato, Orlando César, explica que o documento imposto pela Monsanto obriga o produtor rural a pagar royalties além do que é previsto pela Lei de Cultivares.
– Ao ver suas entidades representativas firmarem um acordo e, ao mesmo tempo, se absterem de lutar pelo direito coletivo, os produtores foram obrigados a buscar sozinhos pelos seus direitos, colocando em xeque as prerrogativas de uma instituição de classe – explica Orlando César.
A modalidade de cobrança era imposta ao produtor ao adquirir as variedades Roundup Ready (RR), RR1 e RR2 PRO. De acordo com a decisão do desembargador José Zuquim, fica determinada a suspensão dos efeitos das cláusulas dos termos de licenciamento de tecnologia e termos de licenciamento de tecnologia e quitação geral, que previrem a instituição de cobrança pós-plantio e a proibição do produtor de salvar suas próprias sementes.
“Ocorre que, quando da oferta dessa última tecnologia (RR2 Intacta PRO), a Monsanto, além das condições usuais do negócio, passou a condicionar a entrega das sementes à assinatura de dois documentos como se licença de uso de tecnologia fossem, mas que, na verdade, se apresentam como uma “castração” para o produtor rural quanto à sua liberdade de preservação da semente (após o pagamento de royalties), além de impor o pagamento de royalties também pós-plantio; exigências e condições desarrazoadas, tudo em extrema vantagem unilateral”, diz a liminar.
Além disso, o desembargador destaca em sua decisão que a suspensão da exigência não implica em prejuízo à empresa agravada, na medida em que ela recebe os royalties com a venda das sementes geneticamente modificadas.
Segundo o produtor rural Jorge Pires de Miranda, à época do acordo presidente do Sindicato Rural de Cuiabá, os produtores nunca se negaram a pagar pelos royalties das sementes, mas esta cobrança não pode extrapolar ao que a tecnologia é aplicada.
– Ao adquirir a semente, o produtor já paga pela propriedade intelectual desenvolvida, não há critério legal para estender esta cobrança – destaca.
A decisão prevê multa diária no valor de R$ 100 mil, que também culminará em caso de serem impostas quaisquer outras condições aos produtores rurais, para a aquisição da tecnologia RR2 Intacta PRO, senão aquelas já constantes dos termos, excetuando-as as suspensas.
Entenda o caso
A Intacta RR2 PRO começou a ser comercializada no Brasil na safra 2013/2014 com a característica de ser resistente aos danos da praga helicoverpa, gerar alta produtividade e tolerância ao glifosato. Em setembro de 2012, a Famato, em conjunto com 47 sindicatos rurais do Estado, ingressou uma ação coletiva na Justiça exigindo a suspensão da cobrança de quaisquer valores a título de royalties e/ou indenizações pelas tecnologias Bollgard I (BT) e RR da empresa.
A ação foi baseada em um estudo técnico e jurídico, contratado pela Famato e Aprosoja, que confirmou que o direito de propriedade intelectual relativo às tecnologias venceu em 31 de agosto de 2010, tornando-as de domínio público. Os agricultores também pediram a devolução de mais de R$ 500 milhões que foram pagos nas últimas safras. A própria Lei de Proteção de Cultivares (9.456/97) determina que uma cultivar perde o direito de proteção privada e cai em domínio público depois de 15 anos, o que significa que uma empresa não pode manter a cobrança depois desse período.
A Monsanto recorreu da decisão, mas a Justiça confirmou que a patente da RR1 expirou em 2010, 20 anos após a data do seu primeiro depósito no exterior, registrada em 31 de agosto de 1990. A empresa, então, parou de cobrar royalties sobre a soja transgênica, mas defendia a validade da patente até 2014: “Em outros casos semelhantes, a Justiça brasileira já corrigiu os prazos de validade de outras patentes da soja RR1, em linha com o que prevê a Lei de Propriedade Industrial”.
Em 2013, a companhia propôs, então, em troca da retirada da ação coletiva, um acordo estipulando que, ao invés de reembolsar os produtores com as quantias já quitadas pela RR1, a empresa forneceria desconto nos royalties de novas tecnologias, como a RR2, nas próximas quatro próximas safras. As entidades aceitaram. No entanto, os produtores que preferiram o estorno e não quiseram assinar acordo para receber desconto na utilização da RR2, permaneceram na na Justiça para reaver o que foi pago de forma indevida, neste caso, depois de 2010.