O Senado aprovou nesta quinta-feira, 10, o texto-base do projeto de lei 4.476 de 2020, que cria o novo marco regulatório para o setor de gás. O projeto sofreu alterações e retornará para Câmara dos Deputados, onde será analisado novamente.
Iniciativa do ex-deputado Antonio Carlos Mendes Thame, o projeto substitui o modelo jurídico atual para exploração do serviço de transporte de gás natural e para a construção de gasodutos, trocando a concessão (em que a empresa precisa vencer um leilão promovido pelo governo) pela autorização (em que a empresa apresenta um projeto após chamada pública e aguarda a aprovação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis — ANP). O planejamento do setor fica a cargo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
O texto também prevê mecanismos para viabilizar a desconcentração do mercado de gás, no qual a Petrobras participa com 100% da importação e do processamento e cerca de 80% da produção.
Segundo o PL, a ANP deverá acompanhar o mercado para estimular a competitividade, usando mecanismos como cessão compulsória de capacidade de transporte, escoamento da produção e processamento; obrigação de venda, em leilão, de parte dos volumes de comercialização detidos por empresas com elevada participação no mercado e restrição à venda de gás natural entre empresas nas mesmas áreas de produção.
O relator da matéria, senador Eduardo Braga (MDB-AM), disse que destravar o mercado do gás natural é muito importante para o Brasil. Segundo o senador, o país não pode ficar para trás do resto do mundo, que adotou o gás natural como a fonte de energia para a transição de uma matriz energética de base fóssil para fontes limpas e renováveis.
Braga disse que esse combustível hoje já representa 12% da matriz energética do país e que estimativas do BNDES apontam para a potencial duplicação da oferta interna de gás natural nos próximos dez anos, originários principalmente da produção do pré-sal.
“A falta de estrutura atual tem feito o Brasil desperdiçar potenciais energéticos. O objetivo da proposição é o de contribuir para o aumento da concorrência no setor do gás natural e para a expansão da rede de transporte. Com a esperada redução dos preços, antecipa-se a disseminação do uso desse energético pelo país”, declarou o relator.
De acordo com Braga, as novas regras podem estimular a produção nacional de gás natural e reduzir a dependência do país em importações do produto, além de reduzir o preço do gás para o consumidor final. O relator acrescentou que o projeto tem o potencial de gerar milhões de empregos e de estimular a economia.
“A nova lei do gás poderá gerar 4 milhões de empregos em cinco anos e acrescentar meio por cento de crescimento ao PIB nos próximos dez anos”, argumentou.
Por que a medida pode ser benéfica para o agro?
Em entrevista ao Canal Rural neste ano, o presidente da Frente Parlamentar para o Desenvolvimento Sustentável do Petróleo e Energias Renováveis (Freper), Christino Áureo (PP-RJ), afirmou que essa abertura de mercado terá um impacto direto no agro. “No gás natural, você tem a amônia, que é um insumo de fertilizantes. Então, vai melhorar muito a oferta desse tipo de insumo”, afirmou.
Ele acrescentou que a redução dos preços dos insumos aumentará a competitividade da agropecuária brasileira no mercado internacional. Para ele, o gás natural também poderá reduzir os custos variáveis da agroindústria. “Pode entrar como fonte de energia para laticínios, indústrias de ração, processadoras das matérias-primas”, completou.
Emendas ao PL
O projeto estava na pauta de quarta-feira, 9, mas teve sua votação adiada a pedido do relator. Braga quis mais tempo para analisar emendas de senadores. Foram apresentadas 20 emendas no Plenário, das quais o relator acatou quatro, de forma total ou parcial.
Com base em uma sugestão do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), o texto passou a permitir o acesso do biometano à rede de gasodutos, de modo a favorecer a produção e o consumo de gás produzido a partir de resíduos orgânicos.
O relator também acatou uma emenda da senadora Rose de Freitas (Podemos-ES), que determina que as unidades de processamento de gás natural sejam instaladas preferencialmente nos municípios produtores. Outra sugestão acatada, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), reserva aos estados o serviço local de gás. O senador Weverton (PDT-MA) também teve uma emenda acatada e o texto passou a prever a possibilidade de a atividade de transporte de gás ser exercida por meio de parceria público privada (PPP). O próprio relator também fez outros ajustes no texto do projeto, propondo modificações redacionais e nas referências a órgãos do governo.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) apresentou destaque para retirar um artigo que, segundo ela, poderia prejudicar a produção de energia limpa na região Nordeste — por indicar prioridade, em determinados leilões de energia, aos estados da região amazônica, com as chamadas termelétricas inflexíveis. Levado a votação, o destaque foi aprovado por 38 votos a 33 e o dispositivo (artigo 41) foi retirado do texto aprovado.
Questionamentos
Apesar da votação simbólica, o projeto sofreu alguns questionamentos no Plenário. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), informou que o Executivo prefere o texto aprovado pelos deputados, sem as alterações promovidas pelos senadores. Segundo Coelho, o governo vai trabalhar pelo texto original quando a matéria for novamente analisada na Câmara.
Omar Aziz (PSD-AM) disse que a experiência com a empresa privada de energia no Amazonas não foi positiva. Ele reconheceu a competência do relator, mas manifestou discordância com alguns pontos do projeto.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) disse temer que as regras prejudiquem a atuação da Petrobras no transporte e na comercialização do gás. Ela ainda afirmou ter dificuldade em acreditar que o processo de privatização venha a reduzir os preços para o consumidor final.
Em resposta, Braga informou que a Petrobras tem um plano de desinvestimento para algumas áreas, como o setor de gás, para se concentrar em áreas que tenham maior rentabilidade. Jean Paul Prates (PT-RN) elogiou o relatório, mas disse ter reservas com algumas emendas e reclamou do pouco tempo para análise das mudanças no projeto.
Elogios
O senador Otto Alencar (PSD-BA) elogiou o relatório de Braga e disse que o Senado deve buscar o bem da população e não atender ao mercado ou à imprensa. Lucas Barreto (PSD-AP) afirmou que a mudança nas regras é importante e acrescentou que o Amapá precisa ter alternativas energéticas, para não correr riscos de novos apagões.
Para o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), o projeto é de grande importância para o país e, de maneira especial, para Rondônia. Oriovisto classificou o relatório como “magnífico”, enquanto Ciro Nogueira (PP-PI) definiu o relator como “profundo conhecedor do tema”. Na mesma linha, o senador Jayme Campos (DEM-MT) elogiou o relatório e defendeu o projeto.
“Precisamos ter novas matrizes em nosso país”, declarou o senador.