Foram oito anos de ampliação das barreiras internas e de grande lentidão nas relações multinacionais. Incentivado pela força da cadeia produtiva no Congresso, os EUA foram aumentando gradativamente a carga de subsídios. O setor agrícola norte-americano foi o que mais se beneficiou. As dificuldades de avanço nas negociações da rodada Doha são um exemplo.
De acordo com o professor de economia da USP Guilherme Dias foram supervalorizados os interesses políticos internos enquanto a ordem internacional e os interesses gerais foram desprezados. Isso se refletiu nas negociações da Rodada de Doha.
? Como a agricultura era o centro de interesses, o endurecimento dos EUA facilitava todos os outros que também vêem dificuldades em abrir sua economia e fazer uma troca de interesses. Com isso, como o líder não demonstrava nenhuma sensibilidade e nenhuma flexibilidade para esse tipo de negociação, os outros também se esconderam debaixo desse guarda-chuva ? afirma.
No Brasil, os reflexos de todo esse protecionismo e de lentos processos regulatórios foram sentidos com maior intensidade em alguns setores do agronegócio. É o caso do algodão, do etanol e do mercado da carne bovina. Para alguns especialistas brasileiros, a Era Bush pode ter atrasado o progresso do grande potencial agrícola do país.
A cotonicultura mostrou na prática este atraso. Na mesma medida em que o Brasil evoluiu nos últimos oito anos e conseguiu se consagrar como exportador da fibra, a alta carga de subsídios aos produtores norte-americanos não permitiu maiores avanços em termos de mercado.
? O produtor brasileiro é competitivo, só que muitas vezes competir com outro poder econômico de subsídios é difícil. Isso gerou aquele contencioso na OMC [Organização Mundial de Comércio] em que o Brasil foi vencedor, mas a gente diz que ganhou e não levou ? avalia o diretor da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão, Marco Antonio Aluisio.
Guilherme Dias lembra que a decisão da OMC se arrastou desde 2004 e os Estados Unidos acabaram não cumprindo a determinação da organização.
O etanol é outro exemplo. A carga protecionista, nesse caso, é traduzida em impostos. Para exportar etanol aos Estados Unidos, o Brasil paga US$ 0,54 por galão. A União da Indústria de Cana-de-açúcar estima que os exportadores brasileiros pagaram US$ 500 milhões em sobretaxa nos últimos 10 anos. Para o presidente da consultoria Datagro, o governo Bush foi de avanços, mas também de oportunidades perdidas.
? Foi o presidente Bush estimulou a aprovação de leis como a de energia, em 2007, que definiu uma meta de 136 bilhões de litros de consumo de renováveis, principalmente etanol, até 2022. No entanto, foi também nessa administração que se perdeu a oportunidade de abertura comercial maior no mercado americano, o maior do mundo em energia, o que poderia ter ocorrido sem colocar em risco a produção local ? lembra Plínio Nastari.
Mas a política de Bush não se restringiu ao protecionismo. A demora nos processos regulatórios foi outro sintoma, principalmente no que diz respeito à pecuária brasileira. A carne bovina in natura não pode entrar em terras norte-americanas sob a alegação de risco sanitário. E as negociações para retirar essas barreiras se arrastaram nos últimos oito anos.
? Não houve grande avanço estratégico num alinhamento para uma aproximação e um comércio mais intenso com produtos que interessam muito ao Brasil, como carne fresca. Esperamos que passada essa fase haja um alinhamento estratégico e diplomático dos EUA com o Brasil, uma vez que há interesses mútuos nesse sentido ? espera o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Luiz Carlos de Oliveira.
A eleição de Barack Obama renovou as expectativas do agronegócio brasileiro de que as relações comerciais sejam mais justas.
? Ficou esse exemplo do país líder, hegemônico no mundo de menosprezar e desrespeitar a base de negociação em termos multilaterais ? concluiu o professor de economia da USP Guilherme Dias.