A mudança era defendida pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e pelas entidades que reúnem militares da reserva que atuaram na repressão política durante o regime militar, incluindo duas centenas de citados nas listas de torturadores reveladas por grupos de direitos humanos.
Na tentativa de camuflar a derrota do ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), que estava em queda de braço com Jobim, Lula decidiu manter o decreto publicado em dezembro que instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos. Esse decreto ? na prática revogado em parte nesta quarta, dia 13 ? previa o exame de “violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política”.
O novo texto foi definido num encontro de Lula com Vannuchi e Jobim. Vannuchi deixou a reunião sem falar com a imprensa. Jobim se limitou a dizer que da parte dele estava tudo “resolvido”.
A retirada da palavra “repressão política” não traz prejuízos concretos para a instalação da Comissão da Verdade, observam assessores do governo. Mas, na guerra de simbologias, travada desde o começo da distensão política no final dos anos 1970 por militares e vítimas da ditadura, venceram mais uma vez os que negam a repressão política que resultou em torturas e execuções sumárias, avaliam os mesmos assessores.
A Comissão da Verdade será formada por representantes do Arquivo Nacional, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, da Comissão de Mortos e Desaparecidos e do grupo de trabalho da Defesa, que faz buscas na região do Araguaia.
A revogação no varejo do Programa Nacional de Direitos Humanos só está no começo. Com Jobim e Vannuchi, Lula só tratou da parte das torturas cometidas pela repressão militar. O presidente também é pressionado para abrandar outros capítulos, como o que trata da descriminalização do aborto.
O único ponto que o presidente Lula não cedeu às pressões dos militares é o que prevê a identificação pública dos locais utilizados para torturar participantes da resistência à ditadura. De acordo com o decreto, os centros de violação dos direitos humanos, em estruturas militares ou civis, devem se tornar públicos.
O QUE MUDOU
– O presidente acatou a principal reivindicação dos militares referente à Comissão da Verdade ? que vai investigar crimes cometidos no período da ditadura (1964-1985).
– Na nova versão, a comissão será criada para “examinar as violações aos direitos humanos praticadas no período fixado no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. O artigo 8º trata justamente da abrangência da anistia política no Brasil.
O que isso significa
– O texto previa investigação de violações de direitos humanos praticadas no contexto da “repressão política”.
– Agora, não mais especifica se poderiam ser investigadas violações de direitos humanos praticadas por militares ou militantes de esquerda na ditadura. A possibilidade de as investigações recaírem apenas sobre os militares foi um dos pontos de descontentamento.
O QUE PERMANECE
– O texto preservou o artigo que determina à Comissão da Verdade “identificar e tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática de violações de direitos humanos, suas ramificações nos diversos aparelhos do Estado e em outras instâncias da sociedade”.
– Lula também não retirou do texto o item que cria uma legislação nacional proibindo que ruas, praças, monumentos e estádios tenham nomes de pessoas que praticaram crimes na ditadura.
AS DEMAIS POLÊMICAS
– O governo não pretende modificar, pelo menos por enquanto, outros dois pontos polêmicos.
– A realização de audiências públicas antes de um juiz decidir sobre concessão de liminar para reintegração de posse de fazenda invadida.
– A implementação de critérios de acompanhamento editorial com o objetivo de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de direitos humanos e de veículos que cometem violações.
– Para reduzir a forte reação da Igreja Católica, o governo não descarta retirar do texto o apoio ao projeto que estabelece a união civil entre pessoas do mesmo sexo. O Planalto ainda estuda a possibilidade de alterar o texto que propõe a descriminalização do aborto e excluir a proposta de impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos.