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Notícias - Soja Brasil

‘Preciso continuar a subir em silos, mas tenho medo de tudo cair de novo’

Histórias sobre mortes em armazéns são mais comuns que se imagina, ainda mais em Mato Grosso, grande produtor de grãos. Entenda o que gera o problema

Soja armazenada em Mato Grosso
Foto: Pedro Silvestre/Canal Rural

Em um dia normal de trabalho, o operador Wanderlei Alves de Mendonça colocou o Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e subiu ao topo do silo para verificar se o processo de armazenagem transcorria bem. De lá, avisou ao restante da equipe que o silo já estava cheio.

Assim que recebeu a confirmação, Francisco Alves de Mendonça, pai de Wanderlei, desligou o elevador de abastecimento e voltou à área de moagem. Mas, no meio do caminho, o metal estalou forte. “Vi um grande rasgo no telhado, e a soja toda se esparramando pelo chão”, relembra.

O frio na espinha assombrou Francisco enquanto ele vasculhava o entorno do silo em busca do filho. “Meu coração acelerou tanto que já não conseguia respirar. Fiquei alguns segundos procurando por ele, até vê-lo sendo empurrado pela soja”, diz.

Wanderlei sobreviveu ao acidente graças ao treinamento e experiência, que o ajudaram a tomar a decisão que salvaria sua vida. “Quando estava lá em cima e o rompimento aconteceu, não sabia se pulava ou não. Como o rasgo estava do lado oposto ao meu, decidi me agarrar com toda força e esperar o momento certo para descer. Procurei meu pai lá de cima, para tranquilizá-lo, dizer que estava vivo e bem. Mas ele quase infartou de susto”, conta.

Foto: Pedro Silvestre

Números mostram que muitos não têm a mesma sorte

O final feliz, como da família Alves de Mendonça, no entanto não é a história mais fácil de encontrar, tanto que a reportagem do Canal Rural precisou de alguns dias e muitas conversas para localizar o exemplo.

O estado possui atualmente mais de 2.200 armazéns, com a capacidade de estocar 36,7 milhões de toneladas por ano, ou seja, um pouco mais do que total de soja colhida na safra 2018/2019 (32,4 milhões de toneladas). Em resumo, muitas chances para algo dar errado.

Tanto é que as mortes em silos têm sido cada mais recorrentes e isso pode ser notado em um levantamento realizado pela BBC Brasil.  Desde 2009, ao menos 106 pessoas morreram em silos de grãos no país, sendo que a maioria dos casos foi registrada em Mato Grosso.

Vale ressaltar que este não é um levantamento oficial do governo e tudo indica que é apenas uma pequena amostragem do tamanho do problema. Segundo o auditor fiscal do trabalho Pedro Luciano Alcantara de Lima, os números são maiores com certeza.

“De 2017 para 2018 tivemos 8 mortes analisadas. Isso significa que um auditor fiscal esteve no local para fazer a fiscalização. Mas muitos casos não são reportados, então com certeza esse número é maior”, ressalta.

A dor de perder um filho

Foto: Pedro Silvestre

Com dito antes, encontrar casos com finais desastrosos não foi difícil. Entretanto, a dura tarefa da reportagem foi encontrar meios de, sensivelmente, entrevistar um pai com feridas que nunca se cicatrizam. O encontro foi marcado por muita comoção desde o ínicio. Com a voz quase sempre embargada por choro, Antônio da Conceição Delmon falou sobre a relação de muito carinho que tinha com o “guri” (como se referia a Uitalo, seu filho).

Um dos momentos de maior emoção durante a captação da reportagem, não só daquele pai que se derretia ao relembrar do filho, mas também da equipe do Canal Rural, foi quando Antônio decidiu pegar uma das poucas fotos que tinha de Uitalo. Foi preciso respirar fundo, várias vezes, para conseguir continuar a conversa.

Uitalo morreu soterrado em um silo cheio de milho na fazenda em que trabalhava em Primavera do Leste, em janeiro de 2015, aos 22 anos. “Ele entrou no silo sem os equipamentos necessários e alguém observando. Ele sabia dos riscos e também dos cuidados necessários, não sei porque fez isso. Pelo menos se tivesse alguém ali, jogava uma corda e tentava salvar ele”, relembra.

 

Antônio da Conceição Delmon segurando a foto do filho Uitalo, durante gravação da reportagem. Foto: Pedro Silvestre

O que gera tantos acidentes fatais?

Uma das causas principais de acidentes em silos é justamente a negligência dos funcionários e das empresas em relação à segurança da atividade, afirma o sargento do Corpo de Bombeiros, Celso Ribeiro da Silva. “Muitas vezes, mesmo sabendo dos cuidados que deveriam ter, os funcionários arriscam. Outros nem ao menos sabem de todos os riscos, já que o treinamento que receberam é muito fraco.  As empresas exigem o certificado desses funcionários, mas o treinamento para consegui-los não é bom o suficiente”, alerta.

Para o especialista em segurança do trabalho Hedenei Fernandes, é preciso implantar a cultura de cuidados e treinamento em silos no estado. “Não só para os donos das propriedades, mas também para os funcionários, que muitas vezes não tomam os cuidados necessários para evitar os acidentes”, diz. “Sem falar na falta de empresas especializadas para dar esse treinamento.”

O sargento do Corpo de Bombeiros confirma a falta de oferta de treinamento e destaca que em Mato Grosso apenas quatro empresas estão capacitadas e credenciadas a dar o treinamento, gerando grande carência por mais opções. “Além disso, sempre que for efetuar um trabalho em espaço confinado, as propriedades devem emitir uma Permissão de Entrada e Trabalho (PET) e informar ao corpo de bombeiros sobre a realização do trabalho, aumentando assim a chance de salvamento da pessoa”, conta.

As propriedades que desrespeitarem essas regras podem ser multadas de R$ 800 a R$ 6 mil e, em casos mais graves, podem até ser interditadas. “Só em 2017, o número de fazendas interditadas com problemas em relação a legislação dos silos, foi de 12”, comenta o auditor fiscal do trabalho Pedro Luciano Alcantara de Lima.

Assista a reportagem abaixo:

Cuidados para evitar acidentes

Segundo Lima, uma das maiores chance de acidentes acontece quando se está esvaziando o silo e é preciso fazer a conhecida varredura. “Muitas vezes o processo de secagem da soja ou do milho foi feito de maneira incorreta e se formam blocos duros de grãos. Então o trabalhador precisar entrar lá para bater nesse bloco para que desentupa. Quando isso acontece, os grãos soterram o funcionário”, explica.

Ele também destaca o risco de andar sobre a pilha de grãos dentro do silo. “Quando o funcionário faz isso ele corre sérios riscos, pois não dá para perceber que abaixo pode ter um bolsão de ar. Por isso, muitos operadores morrem afogados nos grãos”, diz Lima.

Para ajuda na detecção de possíveis riscos em silos, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) criou uma cartilha simples para mostrar onde estão perigos. Confira clicando no link!

A lição que fica

Os acidentes — fatais ou não — fizeram muita gente ligar o alerta e tomar os cuidados necessários para evitar novos casos. Segundo o Sindicato Rural de Sorriso, que é um dos municípios que mais casos registra de mortes em silos de acordo com o levantamento da BBC, as entidades estão atentas ao problema. “Essa é uma preocupação de todos e realmente temos feito alguns debates e cursos orientando os profissionais para a prática e mostrando os riscos da atividade”, comenta o representante do sindicato, Luimar Luiz Gemi.

Para o sobrevivente Wanderlei Alves de Mendonça, além de atenção ao trabalho, ficou também o medo de passar por isso novamente. “Tenho que continuar a subir em silos, é o meu trabalho. Mas qualquer balançada já fico com medo, gelado, pensando que tudo pode cair”, confessa o operador de silos.

De Antônio da Conceição Delmon fica o pedido para que os trabalhadores não arrisquem a própria vida. Após a entrevista, com olhos visivelmente vermelhos devido à emoção, ele agradeceu ao repórter cinematográfico Pedro Silvestre pela sensibilidade e cuidado com a entrevista, revelando ainda que aquela foi a primeira vez, em anos, que falou sobre o assunto.

Foto: Pedro Silvestre

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