Em entrevista exclusiva concedida ao Canal Rural, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que conversou com os três maiores bancos privados do país para buscar apoio a iniciativas de recuperação de pastagens degradadas e reflorestamento na Amazônia.
Segundo ele, a maior parte do desmatamento ilegal que ocorre hoje na região amazônica tem como origem pessoas que invadem unidades de conservação ou terras indígenas. “Isso tem que ser efetivamente combatido”, disse. “Mas existe uma área na Amazônia que já está devidamente antropizada [onde há ocupação social e econômica do homem] e o que nós temos que fazer é melhorar a produtividade daquela região”.
Mourão ainda falou sobre as ações que estão sendo tomadas para combater as queimadas na região, sobre a proposta de um orçamento diferenciado para a Amazônia, sobre a eventual realização de concursos públicos para ampliar o efetivo de órgãos de fiscalização ambiental e deixou uma mensagem aos produtores pelo Dia do Agricultor, comemorado nesta terça-feira, 28.
“É graças a você, agricultor, que hoje nós temos comida de qualidade na nossa mesa e que ao longo dessa pandemia nada faltou para que o brasileiro pudesse se alimentar e que também mais de 800 milhões de pessoas mundo afora tivessem comida na sua mesa. Meus parabéns!”, disse o vice-presidente.
Confira a íntegra da entrevista especial com Hamilton Mourão:
Canal Rural – Na semana passada, o senhor recebeu, por videoconferência, representantes dos principais bancos privados do país por conta de uma carta que eles enviaram com algumas demandas a respeito da preservação ambiental da Amazônia. O senhor também conversou mais especificamente com representantes do banco Santander pra fazer uma pauta mais objetiva. O que é possível adiantar dessa possível parceria público-privada com os bancos?
Hamilton Mourão – Na verdade, hoje, as grandes empresas do mundo estão extremamente preocupadas porque o financiamento, os investidores, eles olham muito para essa questão ambiental. Tanto que se criou uma sigla, em inglês, que é o ESG, que é meio ambiente, questão social e questão de governança. Então, todas as empresas estão ligadas nisso, e é claro que os bancos não podiam fugir disso, até porque eles são os guardiões do dinheiro que cada um coloca lá e são os responsáveis por buscar os melhores investimentos para isso. O que ficou claro é que os bancos querem fazer parte da solução. O que nós conversamos é mostrar a eles que seria importantes eles participarem de projetos de financiamento na área de bioeconomia, alguns apoios pontuais a programas do governo, em termos de algum serviço que eles pudessem contratar particularmente e apoiar as ações governamentais. De uma maneira geral, fica claro isso aí: os três grande bancos privados do Brasil estão ao nosso lado, entendem nossa visão e querem cooperar.
Canal Rural – Na carta dos bancos e também na carta dos fundos de investimento estrangeiros há um ponto sobre desmatamento zero. Na carta dos bancos, eles falam especificamente sobre desmatamento zero para o setor de carnes. O senhor acredita que é possível haver algum tipo de moratória ou restrição para produções que são feitas mesmo nas áreas que foram desmatadas legalmente depois de 2008?
Mourão – O que eu vejo quando se coloca desmatamento zero é o desmatamento ilegal, né? Quando é que ocorre o desmatamento ilegal? Ele ocorre quando o proprietário ou alguém que tenha invadido aquela terra – se ainda fosse uma terra devoluta – ele avança além dos 20% que são previstos na Amazônia com preservação. Tem que preservar 80%. Se você avança além disso, então você está entrando na ilegalidade. Mas a maior parte do desmatamento ilegal hoje ocorre por conta de pessoas que adentram as unidades de conservação ou terras indígenas, e isso tem que ser efetivamente combatido. É uma ilegalidade que não podemos permitir, até porque nós do governo federal somos responsáveis por manter essas áreas intocadas. A questão da produção que os bancos tocaram, especificamente, foi a questão do desmatamento ligado à produção da proteína animal. Eu conversei com eles, mostrei que existe uma área na Amazônia que já está devidamente antropizada [onde há ocupação social e econômica do homem] e o que nós temos que fazer lá é melhorar a produtividade daquela região – é uma região grande! – e, ao mesmo tempo, buscar uma recuperação de pastagens que foram degradadas e até o replantio de florestas. Então esse é o pacote que aparece como um todo e onde os bancos podem apoiar os nossos produtores.
Canal Rural: Essa recuperação faz parte do Plano contra Desmatamento que está sendo desenhado pelo Conselho Nacional da Amazônia?
Mourão – Existem projetos ligados especificamente a essa questão do reflorestamento, eu mesmo já recebi alguns, é uma área que é uma interseção entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura e, obviamente, tem que ser um projeto que tenha viabilidade. Porque muitas vezes é “ah, nós vamos plantar 5 milhões de árvores!”. Tá, e como é que vai ser isso? Vamos utilizar os municípios? Vamos utilizar as redes de escolas? Quais as áreas que serão selecionadas? Então nós precisamos ter um trabalho mais eficiente.
Canal Rural – O governo publicou um decreto de moratória de queimadas por 120 dias. Qual o planejamento para combater os focos de incêndio que devem começam a aparecer? Em junho já houve aumento no número de queimadas.
Mourão – Na verdade, não. Na realidade, as queimadas tiveram uma redução em relação ao ano passado. Nós já estamos no terreno desde o mês de maio, então haverá toda uma pressão para que a queimada ilegal não ocorra. Vamos lembrar que no decreto da moratória da queimada existe uma série de exceções. Não só para os povos tradicionais da Amazônia, mas também para determinados manejos de pastagens que são feitos dentro daquilo que está prescrito pela nossa legislação. Isso foi colocado como uma isenção. O que nós procuramos colocar ali é que tudo aquilo que esteja fora dessas exceções é uma ilegalidade que será combatida em uma ação conjunta dos nosso órgãos de fiscalização federais, estaduais e com apoio das Forças Armadas, das forças policiais, no que for necessário.
Canal Rural – O senhor já tem algum plano pra ser colocado em prática agora? Alguma campanha para evitar que aconteçam mais queimadas?
Mourão – Nós estamos fazendo um trabalho junto às assessorias de comunicação social dos ministérios, estamos trabalhando junto às emissoras que transmitem para o interior do Brasil, nós temos nosso programa de rádio que vai ao ar toda segunda-feira, o “Por Dentro da Amazônia”. Então nós estamos usando todos os instrumentos necessários de modo que a gente consiga atingir o público que está lá na Amazônia, especificamente aquelas pessoas que estão na Amazônia profunda, para que não incorram nessa ilegalidade e, consequentemente, prejudiquem o agronegócio como um todo. Porque é muito pouca gente que entra na ilegalidade, mas termina por ser prejudicial ao conjunto da obra.
Canal Rural – O senhor disse que pretendia fazer uma separação dos orçamentos para o Conselho da Amazônia, para assações do combate ao desmatamento, separados do orçamento público. Como está essa conversa com o Ministério da Economia?
Mourão – Na realidade, o que nós apresentamos – e até discutimos – na última reunião do Conselho Nacional da Amazônia, foi que recursos específicos que nós recebemos por meio de doação, como o Fundo Amazônia, quando eles são colocados pra projetos do governo federal, impactam no orçamento por causa do teto de gastos. Esse assunto foi discutido, a questão do teto de gastos é algo que é muito caro, né? Para quem entende a situação econômica que o país está vivendo… Porque o teto é a nossa âncora fiscal e, se por acaso a gente termina por furar esse teto, por algum motivo ou por outro, vai levar a um aumento da taxa de juros, pode ter um aumento da inflação. Ou seja, várias consequências negativas, incluindo a falta de confiança por parte dos investidores na capacidade do governo brasileiro. Esse assunto está em discussão. Realmente nós temos que buscar uma solução. Ou a solução vai passar pelo recurso sendo colocado diretamente nos estados ou em entidades privadas que tenham a capacidade de executar as ações que seriam do governo ou teremos que ter algum tipo de negociação com o Congresso – que aí entra um certo temor do nosso ministro Paulo Guedes, porque onde vai uma exceção, podem ir outras. E isso a gente não pode aceitar.
Canal Rural – As entidades privadas a que o senhor se refere seriam órgãos de proteção ao meio ambientes?
Mourão – Não. Vamos colocar aí organizações não-governamentais que teriam a capacidade, por exemplo, de fiscalizar determinadas áreas – no caso de operações de comando e controle – ou até de implementar, por exemplo, apoiar a questão da regularização fundiária, realização do cadastro ambiental rural… Entidades que tivessem essa capacidade. Ao invés de o recurso entrar pelo governo, iria direto para essa entidade.
Canal Rural – O senhor também falou sobre a realização de concursos públicos, como uma possibilidade para conseguir colocar efetivo de novo nos órgãos de fiscalização, como Ibama e ICMBio. Como está o avanço dessa conversa?
Mourão – Esse é outro assunto, porque se nós conseguíssemos colocar um edital agora, o concurso seria para o ano que vem, a contratação seria no final do ano ou só no começo de 2022. Nós temos que planejar isso, mas a resposta não é imediata. Nós temos que buscar também uma linha de ação, já talvez apoiada na reforma administrativa, de onde a gente pudesse tirar funcionários que estão em excesso em determinadas áreas, dar um treinamento e passar para a área da fiscalização ambiental. São visões que nós temos, óbvio, é a contratação de pessoal temporário, também não pode ser descartada.
Canal Rural – É algo que ainda deve se definir mais para o final do ano?
Mourão – É, porque a questão do concurso, que seria a ideia mais simples, tem um prazo para ser executada e, obviamente, dentro da situação que nós estamos vivendo, da crise fiscal que o país tem, a contratação de gente nas regras atuais, são pessoas que vão levar aí mais 30, 35, 40 anos dentro do serviço público. E nós não sabemos se temos fôlego pra manter esse pessoal.
Canal Rural – Vice-presidente, dia 28 de julho é o Dia do Agricultor. Nós gostaríamos que o senhor deixasse uma mensagem para os agricultores que estão neste momento tão desafiador, com tantas pressões internas e externas, que prejudicam a imagem do agronegócio brasileiro. O que o senhor diria a esses agricultores?
Mourão – Euclides da Cunha, quando escreveu “Os Sertões”, disse que o sertanejo era, antes de tudo, um forte. Eu faço desse aforismo do Euclides da Cunha minhas palavras em relação a todas aquelas pessoas que aqui no Brasil trabalham no campo. É uma atividade que, hoje, é fundamental para nossa economia, o hard power do Brasil no concerto das nações mundiais é a nossa capacidade de prover segurança alimentar para mais de um bilhão de pessoas no mundo. É uma atividade que lida com a incerteza, então é muito similar à atividade que eu exerci durante a vida, a atividade militar. A incerteza que o homem do campo está submetido, aos azares da natureza, vamos colocar assim. E aí entra o papel do governo de sempre tentar mitigar essa incerteza, mitigar consequências de um mau período em termos de condições atmosféricas, meteorológicas. E nós sabemos que esse trabalho é de sol a sol, de 1º de janeiro a 31 de dezembro, não tem sábado, não tem domingo, não tem feriado. E é graças a você, agricultor, que hoje nós temos comida de qualidade na nossa mesa e que ao longo dessa pandemia nada faltou para que o brasileiro pudesse se alimentar e que também mais de 800 milhões de pessoas mundo afora tivessem comida na sua mesa. Meus parabéns! Siga de cabeça erguida.