Nada é mais emblemático dessa guinada do que a General Motors (GM) ter revelado situação financeira crítica a ponto de estar sob efetivo risco de não ter em caixa o mínimo necessário para continuar suas operações no primeiro semestre de 2009.
? Já fizemos os cortes possíveis. Cortamos até o osso. Sem ajuda do governo não vamos conseguir operar nos primeiros seis meses de 2009 ? admitiu o presidente da GM, Frederick A. Henderson, ao informar os resultados do terceiro trimestre.
As dificuldades da GM tocam fundo o coração do povo norte-americano. Por quase toda a segunda metade do século passado, a montadora dominou a indústria local. Chevrolet, Pontiac, Oldsmobile, Buick e Cadillac, algumas das marcas do grupo, são parte da vida de toda a nação e moldaram a cultura do país. Os EUA se tornaram um país sobre quatro rodas. No Brasil, a GM chegou há 82 anos e é uma das quatro grandes, com Ford, Fiat e Volkswagen. Fez história. Que chefe de família dos anos 1970 não sonhou em pilotar um Opala?
No terceiro trimestre deste ano, a supremacia da GM no mundo foi desbancada pela japonesa Toyota, que vendeu 2,236 milhões de carros, enquanto a norte-americana emplacou 2,115 milhões. Desde sexta-feira, quando a montadora divulgou perdas muito acima do esperado pelos investidores, a situação piorou bastante para a gigante de Detroit que por 37 anos liderou o ranking das 500 maiores empresas da revista Fortune (em 2006 havia caído para a terceira posição). Suas ações estão na pior cotação em 65 anos.
O pior efeito da atual crise é que a falta de crédito e a recessão praticamente sepultaram as chances de os recordes de vendas em países como o Brasil reduzirem o risco de desmanche das montadoras americanas. Embora a exposição da GM seja mais visível, a crise inclui a Ford e a Chrysler, ambas na fila do socorro governamental.
Se a GM chegar à bancarrota provocará uma quebra em série, pois afetará seus fornecedores de autopeças que, por sua vez, produzem para a Ford e a Chrysler. Portanto, apressaria também a falência dessas duas montadoras. A quebra das três causaria o desemprego de 3 milhões de trabalhadores nos EUA e perda de US$ 156,4 bilhões em impostos nos próximos três anos. O quadro poderia se tornar pior com as falências dos fornecedores de autopeças, aço, plástico e vidro. Tal efeito dominó poderia se repetir nos locais onde as montadoras têm linha de produção.
Mas é pouco provável que a companhia venha a quebrar nos EUA ou em qualquer outro lugar, avalia Fernando Sarti, do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia da Unicamp. É possível que algumas plantas possam fechar e investimentos sejam suspensos, inclusive no Brasil, afirma. Mas Sarti vê no tom dramático do presidente da GM na semana passada algum senso de oportunidade:
? As montadoras têm importância estratégica em qualquer economia, sempre são disputadas quase aos tapas pelos governantes. Agora que bilhões são injetados no sistema bancário, também querem receber ajuda, até para resolver problemas estruturais anteriores à atual crise ? diz Sarti.