Desde meados desta década, os estrangeiros estão investindo na construção de usinas e aquisição de indústrias para produção de etanol e na compra de terras para plantio de cana-de-açúcar.
De acordo com a professora Míriam Piedade Bacchi, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq, ligada à USP), isso ocorreu num momento de euforia, de preços muito bons para o setor.
? Isso atraiu o capital estrangeiro diretamente comprando usinas ou parte de usinas ou através de fundos que também são acionistas de algumas usinas ? afirmou Míriam.
A falta de crédito causada pela crise financeira mundial acentuou a tendência de internacionalização, aponta José Ricardo Severo, assessor técnico da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ele disse que 50 usinas (em um universo de 417 unidades) estão em negociação para venda a estrangeiros. A participação estrangeira no setor cresceu em cinco anos de 5% a 13%.
? Muitas empresas, por falta de capital de giro, de recurso e de financiamento, estão vendendo álcool a preço muito baixo. Isso vai se transformando em uma bola de neve, com as indústrias entrando em um circuito de endividamento. Vai chegar um momento em que vão ficar sem capital e sem ter como funcionar. Quem está tendo dinheiro hoje são as empresas internacionais ? afirmou Severo.
O assessor ressalta que o capital estrangeiro está preferindo comprar usinas a investir na montagem de novas unidades. Severo considera positiva a entrada de capital, mas teme que a presença estrangeira afete a competitividade nacional.
O processo de internacionalização guarda relação com a tendência à concentração do setor, observa o assessor da CNA. Grupos estrangeiros como Bunge, Cargil, Dreiffus, ADM e Geres estão comprando usinas brasileiras com problemas de crédito.
? As usinas que estão bem estão comprando outras, e as que estão quebradas têm dificuldade de tocar a vida para a frente e serão vendidas ou quebrarão ? afirma o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que preside o Conselho do Agronegócio da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp).
Já o diretor de Imprensa e Comunicação da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil(CTB) , Carlos Rogério de Carvalho Nune, destaca que o fenômeno de concentração do setor de álcool e açúcar “é histórico” . Nunes disse temer que a concentração diminua postos de trabalho, com uso mais intenso de maquinário, e liquide os pequenos produtores sem competitividade da indústria de grande escala.
? A escala é um fator determinante da renda. A pequena indústria de etanol não é rentável como a grande indústria ? ressaltou Roberto Rodrigues.
No entanto, o ex-ministro admitiu que tem havido melhorias significativas de tecnologia, permitindo avanços na área de destilarias, que são cada vez mais rentáveis para pequenos produtores, que podem se organizar em cooperativas.
A professora Míriam Bacchi aponta vantagens e desvantagens no processo de concentração.
? Por um lado, [o processo] pode levar à redução de custos com a economia de escala e a economia de escopo [administração única]. Por outro lado, a concentração pode levar a um maior poder do mercado e preços maiores ? disse.
Ela não acredita que a internacionalização favoreça diretamente o que chamou de “comoditização” do etanol no mercado externo, mas vê vantagens na entrada de capital estrangeiro para crescimento do setor. Commodities são produtos negociados em bolsas de valores com cotação internacional.