Planejamento. Essa foi uma das primeiras palavras que ouvi saindo da boca do produtor rural e médico Ayrton Péres, 73 anos, da Ponte Alta do Gama, no Distrito Federal. Ele é um dos idealizadores da Fazenda Amigos do Cerrado que, há cerca de 20 anos tem transformado o plantio convencional em um sistema altamente sustentável e, cada vez mais, rentável.
A área pertencente ao pai de Ayrton, Alberto Péres, cultivava tomates desde a década de 1980 e, em determinado momento, também criava vacas leiteiras. Ao assumir a fazenda, Ayrton continuou com o cultivo, se dedicando ao milho e à mandioca, mas em conversas com o filho mais velho, Kiko Péres – que também é guitarrista da banda Natiruts – entendeu que era o momento de mudar.
“Após consultas e pesquisas, decidimos trabalhar o Sistema Agroflorestal, que nos pareceu muito adequado para o que queríamos. Afinal, tínhamos em mente de que não bastava apenas tomar ações visando o meio ambiente se não cuidássemos também da viabilidade financeira do empreendimento. E, dessa maneira, buscamos a sustentabilidade do campo e do próprio produtor”, disse
Por onde começar?
Para ‘virar a chave’ do sistema convencional para o agroflorestal, a família Péres procurou ajuda de fazendas que já estavam adiantadas no sistema e que, inclusive, ofereciam cursos de capacitação para produtores rurais. Nesta etapa, o Sítio Semente, de Brasília, ofereceu o suporte necessário para que as ideias começassem a surgir nas conversas de pai e filho.
“Ele foi visitar o Sítio Semente, aqui na região, que iniciava o trabalho de cultivo de folhas e legumes no sistema agroflorestal. Em outra oportunidade, convidei um antigo parceiro do meu pai, Francisco das Chagas, antigo proprietário de uma parcela da nossa área. Saímos de lá impressionados com a lógica e a biodinâmica do plantio de diferentes plantas em um mesmo canteiro, com uma interação que torna o solo mais rico e protegido”, explicou.
Ayrton conta que, com esse amigo, criou em sociedade a empresa Amigos do Cerrado. Em seguida, foi convidado o engenheiro agrônomo especializado em sistema agroflorestal Raul Monteiro Junior para fazer um projeto de agricultura orgânica
“O Raul aprendeu e trabalhou com Ernst Goetsch, um suíço que se instalou na Bahia após deixar o seu trabalho de melhoramento genético para colocar em prática a ideia de que se conseguiria obter melhores condições favoráveis à melhor desenvolvimento das plantas por meio de diversos modos de plantio. Com sua experiência, ele [Raul] contribuiu no cultivo de árvores frutíferas, que decidimos utilizar como carro-chefe”.
Ayrton nos conta que o limão tahiti, juntamente com outras plantas e árvores foram as culturas escolhidas para o novo modelo de negócio da fazenda. “Os benefícios que elas trazem para o sistema, tanto pela matéria orgânica das madeiras em decomposição, tanto como pela interação com outras espécies, aumenta a biodiversidade dos consórcios, incluindo não só espécies de ciclos curtos, mas de todos os estágios de ocupação florestal”, falou.
Mas, antes de colocar tudo em prática, uma última fase que envolvia treinamento de capacitação para os funcionários e compra de maquinários foi feita. “Com tudo em ordem, iniciamos o projeto piloto com o plantio de limão tahiti, tangerina, mandioca, eucalipto, mogno e banana. Nessa fase, tivemos importante apoio técnico da Emater e continuamos anualmente a aumentar a área, introduzindo novas culturas como a manga, o avocado e o baru”.
A propriedade tem 10 hectares destinados ao plantio agroflorestal. Segundo a família, em dois anos foi obtida a certificação de orgânicos pelo Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (Opac-Cerrado), o que deu ainda mais força para a comercialização dos produtos na região.
Com disciplina e boa estratégia, rapidamente a fazenda começou a, literalmente, colher bons frutos e, com ajuda de entidades especializadas começaram a se abrir para o mercado. “Embora a cultura de cítricos atinja o seu ponto de maturidade com cinco anos, já no terceiro começamos a colher frutos e demos início ao processo de abertura de mercado. Nesta fase, tivemos um importante auxílio do Sebrae, que nos ensinou e ajudou a abrir canais importantes de comercialização, deixando a gente preparado para quando alcançássemos a fase mais produtiva da cultura, que ocorreu entre o 5º e 6º ano”, explicou.
O retorno do filho
Cada vez mais capacitada, a Fazenda Amigos do Cerrado ganhou um reforço na administração para a fase seguinte do projeto de manejo sustentável. O filho de Ayrton, irmão de Kiko Péres, voltou para casa após fazer a especialização em biologia com foco em meio ambiente. “O meu outro filho, Ayrton Junior, retornou de Brasília e integrou-se à equipe. Dividindo com Rodrigo (Kiko) o trabalho de campo, de mercado e controle, que era algo que já nos ocupava bastante”.
Com a maturidade das plantas e produção plena, por volta do 6º ano, o equilíbrio financeiro finalmente chegou à fazenda, mas isso não fez a família Péres parar. “Nessa etapa, entendemos que era preciso criar escala e agregar novos valores ao nosso empreendimento, como explorar a produção de sucos e óleos naturais”, disse o patriarca da família.
A expansão deveria ocorrer naturalmente em 2020, mas a pandemia de Covid-19 mudou os planos da fazenda e, neste início de 2021, o projeto passou por uma revisão e partirá para inovações de ordem agrícola, mecanização da agricultura de precisão e de modelo financeiro.
“O financiamento poderá vir por meio de investidores ou por bancos mesmo. Mas a nossa ideia é de ampliar esse modelo sustentável para outras propriedades, oferecendo treinamento e propondo um modelo de cooperativismo. Sabemos que muitos possuem a vontade de usar melhor a terra, mas não conseguem por falta de recursos ou por não dominarem as técnicas e é neste sentido que gostaríamos de ajudar”, finalizou.