Após o agrupamento de todos os censos, os dados foram comparados com outros levantamentos feitos em toda a extensão do bioma. A metanálise foi publicada em artigo na edição de junho da revista Biological Conservation.
O trabalho consiste na maior amostragem das populações de grandes mamíferos na Mata Atlântica e foi produzido a partir de um projeto ligado ao programa Biota-FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa ? Regular, conduzido pelo professor Mauro Galetti, do Laboratório de Biologia da Conservação do Departamento de Ecologia da Unesp, em Rio Claro.
Segundo Galetti, até então, a maioria dos censos na Mata Atlântica enfocava apenas fragmentos pequenos, ignorando áreas contínuas do litoral.
? Boa parte dos pesquisadores acredita que as populações de grandes mamíferos estão salvas nas principais áreas protegidas do litoral. Temos em São Paulo a maior floresta contínua de Mata Atlântica, sobre a qual não se sabe quase nada ? ressaltou.
O projeto fez um diagnóstico das populações de grandes mamíferos em áreas de conservação não fragmentadas para estimar as populações de espécies pouco conhecidas como mono-carvoeiro, queixadas, cutias, esquilos e outras que são alvos de caça.
? Nossa pesquisa buscou entender o que explica a variação de abundância de grandes mamíferos nesse contínuo florestal e também em toda a Mata Atlântica ? disse Galetti.
Os censos foram realizados em 12 unidades de conservação nas três maiores ilhas de São Paulo: do Cardoso, Ilhabela e Anchieta. Também foram amostradas as populações de mamíferos na Serra de Paranapiacaba ? parques do Petar, Carlos Botelho, Intervales, Jacupiranga e Jureia ? e Serra do Mar ? parques Picinguaba, Caraguatatuba, Cunha e Santa Virgínia ? além do Jurupará, que liga as duas serras, onde há floresta contínua.
A escassez de grandes animais, como anta, queixada e macacos, pode ser explicada pela pressão de caça e tipo de floresta, apontam os pesquisadores. Em contrapartida, a abundância dos pequenos mamíferos, como cutias e saguis, aumenta em áreas com maior pressão de caça, um fenômeno chamado de “compensação de densidade”.
Para quantificar o volume de animais abatidos ilegalmente dentro dos parques, Rodrigo Nobre, aluno de mestrado de Galetti descobriu que, anualmente, cerca de 500 tucanos e de 400 inhambus são mortos na região de Picinguaba.
? É um fato alarmante, já que as Unidades de Conservação deveriam ser um lugar em que a fauna se encontra protegida, mas não foi isso que encontramos ? comentou Galetti.
? Cada região da Mata Atlântica tem uma abundância diferenciada de grandes mamíferos. Essa enorme variação reflete, em parte, a pressão de caça em cada área e a abundância de recursos-chave como o palmito juçara ? disse Galetti.
Os parques localizados na Serra de Paranapiacaba têm uma grande abundância de primatas, mas são pobres em ungulados, como queixadas e veados. Por outro lado, na Serra do Mar, próximo a Ubatuba e Caraguatatuba, várias espécies, como onça pintada e mono-carvoeiro, são muito raras ou foram extintas localmente. Porém, o queixada (porco-do-mato), que é um animal ameaçado de extinção, é muito comum no Parque Estadual de Santa Virgínia e na Ilha do Cardoso.
Em Ilhabela, que tem mais de 30 mil hectares e é toda florestada, as populações de grandes mamíferos são muito baixas.
? Ilhabela possui a mastofauna mais empobrecida de São Paulo, mas tem a maior abundância de espécies de aves de grande porte, como jacutingas e macucos ? disse Galetti.
? Não sabemos a causa dessa alta abundância, isso ainda é um mistério, já que existe muita caça na ilha. Uma hipótese é a existência de áreas de acesso muito difícil para caçadores na ilha, e essas populações se concentrariam ali.
Defaunação na diversidade de plantas
Um Projeto Temático aprovado recentemente no âmbito do Biota-FAPESP pretende avaliar qual o efeito da variação em abundâncias de grandes mamíferos na diversidade vegetal das plantas.
? Todos esses grandes mamíferos são importantes dispersores e predadores de sementes e também herbívoros, e são eles que controlam ou favorecem as populações de diversas espécies de plantas ? apontou Galetti.
Além disso, o projeto pretende estimar a abundância de algumas espécies, usando técnicas de extração de DNA fecal e de pelos. Antas, felinos e queixadas são raramente avistados pelos pesquisadores na floresta, mas deixam seus vestígios por onde andam.
? Nosso laboratório na Unesp, junto com pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos, está trabalhando intensamente na elaboração de marcadores moleculares dessas espécies. Com isso, teremos em mãos uma ferramenta importante para determinar não apenas o tamanho populacional dessas espécies, mas também sua variabilidade genética ? disse Galetti.