O produtor de soja adota tecnologias inovadoras para ter cada vez mais produtividade. No entanto, os males que ameaçam a sua lavoura também evoluem.
Esse é o caso dos nematoides. Os agricultores sabem que tais vermes microscópicos afetam as raízes de diversas culturas. No entanto, há uma espécie que não se contenta mais em morar no subsolo e, agora, quer viver na cobertura. Assim, impacta a zona aérea da planta.
O nome do parasita? Aphelencoides besseyi. A notícia ruim é que as técnicas de manejo para o seu controle ainda estão em testes e, por enquanto, existe apenas um produto registrado no Ministério da Agricultura para o seu combate na soja. Para o algodão, são três.
O lado positivo: ele está restrito a uma área relativamente pequena das lavouras destinadas à soja no Brasil. Ao menos por enquanto.
Como a praga afeta a soja?
Geração de plantas que permanecem com a haste verde e com retenção foliar no final do ciclo. Essas são as principais manifestações da soja afetada por esse tipo de nematoide.
“Tais sintomas são percebidos a partir do momento em que a cultura entra em floração. Com isso, há uma redução da formação de flores e de vagens, chegando ao ponto de algumas plantas não gerarem vagem alguma”, relata o pesquisador da Embrapa Soja, Maurício Meyer.
Segundo ele, essa praga é o agente causal da doença comumente chamada de Soja Louca II. Contudo, o nome entrou em desuso por não afetar apenas a oleaginosa, mas também o algodão e outras culturas, ainda que com menor incidência.
Perdas produtivas
Em média, o potencial de redução de produtividade causado pelo Aphelenchoides besseyi na soja gira em torno de 60%.
“Mas já acompanhei lavouras onde o produtor percebeu que a incidência de plantas atacadas era muito alta e, por conta disso, achou mais viável roçar toda a área e plantar milho para aproveitar o período de chuva. Então, considerando esse tipo de caso, a perda causada pela praga foi de 100%”, destaca Meyer.
Nesta safra 2022/23 de soja, o pesquisador ressalta que a presença do fitonematoide não foi tão severa quanto em temporadas anteriores. Entretanto, conforme ele, em alguns locais de produção a incidência é constante, como no Pará.
“Esse nematoide ocorre em condições específicas: áreas onde a frequência de chuva é bastante alta e a média de temperatura muito elevada. Esses fatores variam de safra para safra. Neste último ciclo, a incidência foi maior nas lavouras de algodão”, conta.
Danos em Mato Grosso
Ainda que ocorra de forma constante no Pará, o primeiro caso de Aphelenchoides besseyi foi registrado em Sapezal, oeste de Mato Grosso, pela Embrapa Soja.
Ainda que seja mais frequente no Pará, é justamente no maior estado produtor de soja que a praga é mais incidente. Segundo a nematologista da Fundação MT, Rosangela Silva, dependendo do regime de chuva e temperatura, isso ocorre principalmente nos municípios da BR-163.
“No sul de Mato Grosso também há alguns registros, mas de forma bem ocasional. Em temporadas em que as condições climáticas são favoráveis, danos são observados em Rondônia”, afirma.
De acordo com a pesquisadora, justamente onde houve o marco zero da praga, Sapezal, existem relatos de talhões com perdas de até 40% nesta última safra por conta do fitonematoide.
“No algodão, em lavouras que vêm na sequência, também há perdas significativas em alguns talhões. Temos trabalhos com produtores de soja e da pluma neste município para definir quais os melhores manejos e produtos a serem utilizados”, relata Rosangela.
Métodos de manejo na soja
Rosangela conta que foi na safra 2022/23 que a pesquisa validou a necessidade de tratamento de semente ou em sulco do plantio para proteger a cultura no início do desenvolvimento da planta.
“Essa proteção dura cerca de 15 dias. A partir daí, é preciso fazer uma aplicação na parte aérea após 15 dias da semeadura e repetir as aplicações no mesmo intervalo de tempo, pelo menos enquanto a planta está formando vagem”.
De acordo com ela, se o produtor não seguir esse cronograma e as condições climáticas em lavouras com o registro da doença forem favoráveis, ainda há grandes chances de danos em vagens que não foram formadas. “A reprodução desse fitonematoide é extremamente rápida”.
E o mais importante: a sucessão de soja e algodão deve ser evitada. “Quando o produtor entra com uma cultura não hospedeira, como o milho, existe redução da população e de sintomas do nematoide na área”.
A pesquisadora da Fundação MT destaca que há o mito de que a braquiária hospeda esse nematoide e outros mais convencionais. “O A. besseyi consegue sobreviver na casca da semente da braquiária, mas não o hospeda para a safra seguinte. Aliás, a grande maioria das forrageiras não são hospedeiras”, conta.
Controle de plantas daninhas
O controle químico e biológico é uma ferramenta de manejo do nematoide, mas não é capaz de resolver o problema sozinho. Quem alerta é Maurício Meyer, da Embrapa Soja.
“É necessário, como outras nematoses de plantas, que se faça o manejo com a sequência de culturas que não sejam hospedeiras do A. bessey. O recomendável é eliminar as cultivares e plantas daninhas hospedeiras, como capoeraba, agriãozinho do pasto e cordão-de-frade, por exemplo”.
Além disso, o pesquisador ressalta a importância de manter as áreas o mais limpas e isentas possíveis dessas mantenedoras e multiplicadoras da praga.
“O produtor precisa fazer uma dessecação mais antecipada do plantio da soja, semeando com a palhada seca, evitando que se desseque e se semeie imediatamente em sequência. Aconselho fazer o controle de plantas daninhas na pós-emergência da soja, sem adiar essa tarefa”.
De acordo com Meyer, com relação à sequência de cultivos, um dos que mais reduzem a incidência desse fitonematoide é o milho-safrinha após a soja.
“Regiões onde se cultiva algodão safrinha após a soja são problemáticas em áreas com frequência de chuva e altas temperaturas. É importante que o algodão seja plantado fora de uma sequência com a soja, dando preferência à sucessão com uma gramínea”, considera.
O El Niño pode levar o A. bessey para o Sul?
Anos de El Niño costumam levar mais chuva para a Região Sul e Sudeste do país. Aliás, os mapas meteorológicos já sinalizam essa tendência para o início da primavera, quando a semeadura de soja se inicia.
Como a frequência hídrica e as altas temperaturas são fundamentais para a proliferação do A. besseyi, a praga pode começar a aparecer, também, nos cinco estados produtores de soja da região (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Minas Gerais)?
Segundo o pesquisador da Embrapa Soja, a possibilidade ainda é remota. “Não verificamos a incidência desse fitonematoide mais ao sul do que em Jataí, em Goiás, ou seja, está mais restrito às regiões Norte, Nordeste e norte do Centro-Oeste”.
De acordo com ele, entre os estados que já registraram algum tipo de impacto em lavouras de soja causado pelo fitonematoide, além dos já citados, estão Rondônia, Amapá, Maranhão, Tocantins e Piauí.
“Em termos de produção de soja, estimamos que o A. besseyi abranja cinco milhões de hectares. Felizmente, ainda está restrito a certas regiões. Não vimos esse problema aparecer ou se intensificar no Sul. Há, provavelmente, uma limitação de ambiente”, afirma Meyer.
Ambiente desfavorável
O fato de o nematoide não afetar a soja no Sul do país se deve, provavelmente, a uma limitação de ambiente em função do inverno e da distribuição de chuvas, afirma o pesquisador da Embrapa Soja. “Em ambientes com temperatura média abaixo de 28ºC, por exemplo, não há infecção”.
Contudo, Meyer alerta para o fato de a praga ser especialmente agressiva por se multiplicar na parte reprodutiva das plantas, onde a flor da soja e a maçã do algodão são formadas.
“A adaptação do A. besseyi às condições adversas é outro fator de atenção. Quando há umidade, ele penetra na raiz, sobe e ataca e se multiplicar na parte aérea. Na entressafra, quando está seco, ele pode perder água, passando por anidrobiose. Assim, se aloja no interior de palhada, em resto de cultura no solo”, explica.
A partir de então, fica inativo até que a condição de umidade do solo volte a se normalizar. “Nesse caso, quando começa a ter chuva novamente, os fungos decompositores de matéria orgânica que estão na superfície do solo servem de alimento a esse nematoide, ou seja, ele tem fontes de alimentos diversas”.
Em seguida, o pesquisador da Embrapa Soja destaca que o nematoide começa a se multiplicar. “Quando a soja e o algodão começam a nascer nessas áreas, o A. besseyi está em franca multiplicação”.
Produtos de combate à praga
O desafio às fabricantes de agroquímicos e biológicos, na visão de Meyer, é definir o posicionamento dos produtos, ou seja, em que momentos, doses e intervalos de tempo eles poderão ser empregados no combate às novas pragas, como o A. besseyi.
Talvez por esta dificuldade, até o momento só exista um defensivo para a soja e três para o algodão registrados no Ministério da Agricultura e Pecuária:
- Avicta 500 FS – Syngenta (Soja)
- Approve – Ihara (Algodão)
- Polytrin ou Stadio – Syngenta (Algodão)
- Polytrin 400/40 EC – Syngenta (Algodão)
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A reportagem foi atualizada para incluir as culturas-alvo dos produtos listados acima