Com a nova rodada de turbulência internacional, os analistas passaram a acompanhar ainda mais de perto o movimento das commodities em reais. Num ambiente de menor crescimento global e incerteza no mercado financeiro, as cotações dos produtos primários tendem a cair, e o real a sofrer alguma desvalorização. Para que o efeito sobre a inflação seja benigno, a queda das commodities precisa superar a alta do dólar.
Para o economista Fabio Ramos, da Quest, em caso de agravamento da crise, o tombo dos preços dos produtos primários deverá ser mais intenso que a desvalorização do câmbio.
? Isso ocorreu na crise de 2008 e acredito que, desta vez, a queda das commodities em reais pode ser ainda mais forte ? diz Ramos, que não espera uma depreciação das mais acentuadas do real, mesmo em caso de piora do cenário externo, dadas as condições mais sólidas do Brasil.
Os economistas costumam dar bastante atenção ao índice CRB, da Reuters-Jefferies, composto por 19 ítens, que pode ser acompanhado diariamente. A média do CRB em reais nos primeiros 11 dias de agosto ficou 0,9% acima da média de julho. Nesse caso, a alta do dólar, de quase 2% no mês, suplantou o recuo do CRB em dólares. Um ponto que ajuda a explicar a diferença de comportamento entre o índice da Quest e o CRB é o grande peso do algodão no primeiro, na casa de 15%, segundo Ramos. No CRB, a fatia do produto está na casa de 5%. Na média dos 11 primeiros dias de agosto, as cotações em reais do algodão caíram 8,6% em relação a julho.
Para a análise do impacto das commodities sobre a inflação brasileira, o IC-BR é mais relevante, diz Ramos, observando que o índice tenta refletir a variação no mercado externo das commodities com maior efeito sobre os índices de preços no Brasil. O indicador da Quest anda na mesma direção do IC-BR, divergindo em geral na intensidade do movimento. Em julho, o índice do BC caiu 3,4% e o da Quest, 5,5%. Em março, o primeiro tinha subido 0,6% e o segundo, 0,9%.
O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, também diz que os preços de commodities podem ser um fator de alívio sobre a inflação brasileira. Segundo ele, não há muito o que esperar dos serviços (como aluguel, mensalidades escolares, cabeleireiro e conserto de automóvel) e dos preços administrados (como tarifas públicas), as duas principais fontes de pressão sobre o Indice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) neste ano. Para Cunha, deve ocorrer algum arrefecimento das commodities, mas não se deve apostar em quedas muito expressivas, a não ser que haja uma deterioração muito significativa da economia global. As condições climáticas e a demanda asiática impedem um tombo muito forte dos preços, ainda que tenha havido desmontagem das posições mais especulativas nesse mercado nos últimos dias.
Ao mesmo tempo, Cunha não acredita que o câmbio sofrerá uma grande desvalorização. O governo, diz ele, pode não querer um fortalecimento adicional do real, mas também não deseja uma depreciação muito forte. Em caso de turbulência muito forte no cenário global, o país conta com reservas de US$ 350 bilhões para impedir movimentos exagerados do câmbio. Num cenário em que não há uma piora significativa das incertezas globais, as commodities em reais poderiam ajudar o IPCA a fechar o ano um pouco abaixo de 6% neste ano ? nos 12 meses até julho, está em 6,87%. O mercado projeta uma alta de 6,28%.
Mantida a tendência atual, apenas a evolução dos preços desses produtos não deve ser suficiente para fazer o Banco Central iniciar um ciclo de queda dos juros. O analista Daniel Lima, da Rosenberg & Associados, acredita que o BC manterá a Selic na reunião de 30 e 31 deste mês. O cenário internacional conturbado, por enquanto, torna dispensável novas elevações dos juros, mas ainda não abre espaço para reduções no curto prazo, acredita ele.
Hoje, a demanda doméstica ainda forte, com o mercado de trabalho aquecido, pressiona os serviços, cujos preços rodam na casa de 9% em 12 meses. Em resumo, as commodities em reais teriam que cair muito mais do que já recuaram para deflagrar movimento de corte de juros.