Esses especuladores são geralmente fundos de investimentos com grande capacidade financeira, que movimentam altos volumes de dinheiro ao sabor das oportunidades. A participação é cada vez mais perceptível, especialmente em momentos considerados de grande instabilidade.
? O especulador só tira proveito em momentos de grande volatilidade do mercado, em momentos de crise, como o atual ? explica Lucia Ferreira, operadora de mercado da área de commodities da Gradual Corretora.
Por trabalhar com capital de risco e de giro rápido, o especulador só atua em mercados onde visualiza possibilidades de ganho ? mas também pode perder, como lembra Norberto Freund, da Vision Grain, especialista no mercado de grãos. E, ao mesmo tempo em que faz o dinheiro girar, transforma-se em um fator importante de mercado, ainda que não seja vendedor ou comprador de ativos e mercadorias, e influencia nas decisões dos demais negociadores.
? Se meu ciclo de negócio for mais curto que o período que ele tem capacidade de agüentar no mercado, o preço que eu vou praticar é influenciado pela ação dele. É dessa maneira que ele influencia ? acrescenta Freund.
O mercado futuro de commodities se fortaleceu nos últimos anos e, na mesma medida, passou a sofrer impactos de problemas econômicos, seja com ciclos de fortes altas ou fortes quedas de cotações. O movimento especulativo sobre as matérias-primas é tão intenso que passa a ter relevância até maior que a relação fundamental entre oferta e demanda na formação dos preços de determinado produto.
? Ele (especulador) passa a fazer parte do fundamento. Inclusive, aumenta a volatilidade do mercado, porque faz (o preço) subir mais do que subiria quando compra e faz descer mais do que desceria quando vende ? explica Norberto Freund.
Reação mais rápida
Qualquer fator que influencia a economia em um determinado local ou em escala global pode servir de combustível para a especulação, desde a simples relação entre oferta e demanda, passando pela instabilidade financeira em mercados importantes, ou até mesmo a situação política em grandes países fornecedores de commodities. Os especuladores conseguem reagir mais rapidamente a esses indicadores e entender os rumos do mercado.
? Eles têm análise técnica, fundamental, acompanham o movimento financeiro do mundo todo. Então, quando eles entram no mercado é justamente porque acham que vai formar uma bolha ? destaca Lúcia Ferreira, da Gradual Corretora.
Tensões no Oriente Médio, por exemplo, podem influenciar os preços do petróleo, já que, em tese, trazem insegurança em relação ao abastecimento do produto. Em momentos como esse, uma ação especulativa em larga escala sinalizando intenção de compra da commodity pode pressionar ainda mais o lado da demanda pelo produto. Quanto maior a demanda em relação à oferta, mais alta a cotação. O petróleo ainda tem uma particularidade: seu movimento influencia outras commodities, incluindo as agrícolas.
Entre a segunda metade do ano passado e o início deste segundo semestre, commodities como milho e soja, por exemplo, passaram por um ciclo de forte alta, pressionadas pelos baixos estoques ? em função do aumento da demanda asiática ? pela alta do petróleo, cuja cotação chegou perto dos US$ 150 o barril, e pela discussão alimentos x energia, já que as duas commodities atendem às duas cadeias produtivas. Ao mesmo tempo, o dólar estava em queda, desvalorizando-se em relação ao real.
? Quando há um descontrole na economia, como tivemos no passado recente, de uma desvalorização do dólar, como o mundo todo tem reservas em dólar, a formação de preços de commodities está atrelada ao dólar. Essas commodities foram usadas como proteção e realmente se perdeu a referência da lei da oferta e da procura ? explica o analista do mercado financeiro Miguel Daoud.
No cenário atual, o movimento é contrário. Com a crise financeira, muitas posições em commodities foram zeradas para que a rentabilidade anterior compensasse perdas em outros tipos de ativos, como os atrelados ao mercado imobiliário americano. As cotações das commodities vêm caindo e a bola da vez passou a ser o dólar, cuja cotação no Brasil saltou de R$ 1,65 para quase R$ 2,50, como ocorreu na semana passada.
? O pessoal que estava especulando, parece que quebrou todo mundo. O que muitos analistas diziam, que havia falta de alimentos no mundo, era uma inverdade, e os preços (das principais commodities agrícolas) vão cair para perto da média histórica ? projeta o diretor-executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Grãos (Abrasgrãos), Telmo Heinen.
Especulador é “vilão” necessário
Do ponto de vista dos governos, uma das principais preocupações com relação ao movimento especulativo é com possíveis impactos sobre a economia real, a que atinge diretamente o bolso da população. Quando se trata de matérias-primas importantes, como soja ou milho, ciclos de altas nas cotações no mercado nacional e internacional podem refletir na precificação de produtos finais e, conseqüentemente, sobre a inflação, como ocorreu durante a chamada crise dos alimentos, em que os índices de preços foram fortemente pressionados no Brasil.
? Nós estamos falando de alimentos que podem causar inflação, ter impacto na economia de um país. Aí o lado é outro. Há um tempo, vimos os alimentos subindo muito de preço, uma especulação violenta em cima de soja, milho, trigo e outras commodities por aí afora ? lembra Lúcia Ferreira.
Apesar de muitas vezes ser considerado uma criatura cruel, que apenas quer ditar tendências e ganhar com elas, do ponto de vista do mercado, o especulador é uma figura necessária, garantem analistas. O principal benefício é dar liquidez às negociações na Bolsa. O perigo, ressaltam, está em exagerar na dose, o que pode distorcer as relações de mercado.
Segundo o diretor de commodities da BM&F Bovespa, Ivan Wedekin, o mercado futuro brasileiro movimentou no ano passado o equivalente a oito vezes o PIB do Brasil. Em escala mundial, complementa o economista Miguel Daoud, a relação entre o movimentado no mercado futuro e o PIB chega a 12 vezes. Significa, por exemplo, que, se o mundo todo gerou em um ano uma riqueza de US$ 50 trilhões, o mercado movimentou o equivalente a US$ 600 trilhões.
? A realidade é que existe mais dinheiro que mercadoria. Então não dá para acabar. Os fundos existem. São participantes ? conclui Wedekin.
Em outras palavras, quem quiser operar no mercado futuro para comprar e vender mercadorias terá de aprender a conviver com a ação especulativa. Até porque, de alguma forma, com escalas e finalidades diferentes, todos “especulam”. Seja um produtor rural, ao avaliar fatores de mercado para identificar o melhor momento de vender sua safra, seja um grande grupo financeiro, ao avaliar esses mesmos fatores para influenciar o mercado e lucrar.
No momento atual, em que se busca mudar a atitude do produtor rural brasileiro, fazendo-o dar mais atenção ao mercado futuro e ao uso dos derivativos agropecuários para neutralizar riscos e dar mais segurança à sua atividade comercial, compreender que os especuladores estão no mercado e a sua forma de ação é importante para evitar surpresas.
Neste ciclo de convivência, um pode abrir oportunidades para o outro, seja em momentos de forte aumento ou de baixa nas cotações de produtos agrícolas. Segundo orienta a operadora Lúcia Ferreira, o mercado se ajusta com o tempo e a liquidez turbinada pela intensa especulação no mercado futuro pode servir de apoio para que fornecedores e compradores negociem as matérias-primas com preços mais vantajosos.
? O volume dele (especulador) é grande e dá liquidez para que os produtores, os hedgers, entrem também precificando o seu produto. Hoje a consciência é grande de que se deve fazer isso. É para isso que o mercado futuro serve. Para o produtor precificar e ficar tranqüilo.
Informação é fundamental
O mais importante, de acordo com os especialistas, é buscar o máximo de informações sobre o mercado e operar com objetivos definidos: assim como o especulador não realiza compra e venda de mercadorias e trabalha apenas os papéis, o comerciante de mercadorias, seja produtor, cooperativa ou cerealista, deve usar a Bolsa para gerenciar melhor os riscos de suas atividades comerciais e garantir bons preços.
? O especulador não entra no mercado físico porque se ele comprar vai ter de vender e, na hora, vai ter de vender para demanda que existe. Não adianta. Ele pode se machucar. O produtor não tem que ser um especulador. A função dele é a seguinte: eu quero produzir o mais barato possível e vender o mais caro possível. Estabeleço uma meta e vou trabalhar por aquela meta. Chegou naquela meta, vende ? pondera Norberto Freund.
Os recentes prejuízos de empresas como Sadia, Aracruz e Votorantim que, somados, ficam próximos de R$ 5 bilhões em operações atreladas ao câmbio, são avaliados por analistas como exemplos do perigo de uma exposição demasiada em operações no mercado.
? Tem de usar os derivativos como forma de garantir preço, não para especular. Porque o mercado de derivativos é feito por especuladores e não há condição de competir com essa categoria ? reforça o analista financeiro Miguel Daoud.
Ele acredita que o mercado vive, atualmente, uma situação em que “muitos vendem o que não têm e compram o que não precisam”, e faz uma advertência:
? O mercado é sedutor. Você pode ganhar em um dia milhões de reais, mas pode perder em um dia milhões de reais. E o mercado parece que faz de propósito. Ele sempre te seduz pelo ganho e depois, em um dado momento, te toma tudo o que ganhou, o que não ganhou e o que tem.