Paste this at the end of the

tag in your AMP page, but only if missing and only once.

Produtores e quilombolas divergem sobre posse de terras no Rio Grande do Sul

Relatório aponta que a área de agricultores de Morro Alto era um quilomboCentenas de famílias de pequenos agricultores de Morro Alto, no litoral norte do Rio Grande do Sul, aguardam a notificação do Incra para desapropriação da área onde plantam e vivem. Um relatório concluído em março deste ano aponta que a área era um quilombo e deve passar a titularidade para uma associação que reúne famílias de descendentes de escravos. A associação cobra agilidade do Incra, para o assentamento de mais de 400 famílias.

São 4,5 mil hectares de terras ao redor do Morro Alto, dentro dos municípios de Osório e Maquiné. Oito comunidades convivem há décadas na região. Desde o início dos anos 2000, um grupo de antropólogos do Incra vem estudando a história da localidade e apontou que a área é um remanescente de quilombolas, os refúgios de negros no tempo da escravidão.

A área foi doada a alguns escravos, após a abolição. Mas desde que receberam as áreas, muitos venderam suas terras, onde se estabeleceram famílias de italianos, alemães e poloneses. Com a aprovação do relatório, as famílias que hoje residem na área serão notificadas para desocupação e devem apresentar argumentos. Segundo o Incra, nada ainda é definitivo.

? Se apresenta uma proposta de território. A partir daí, a gente vai comunicar, dar ciência a todos os proprietários, posseiros e lindeiros, para que num prazo de 90 dias apresentem contestações sobre qualquer argumento com relação ao que o Incra está propondo na demarcação daquele território ? diz o superintendente do Incra/RS, Roberto Ramos.

O superintendente afirma que o Incra não tem a intenção de prejudicar os produtores.

? O Incra não tinha a intenção de atingir produtores, mas o estudo apontou pra isso. E não há também como a gente discutir, misturar a discussão, a questão da produtividade. Não está se alegando que os pequenos proprietários não são produtivos, não são importantes. Nada disso o Incra está apontando. A gente reconhece a presença dos agricultores familiares, a sua produção a sua importância na produção local.  E por isso o Incra está discutindo o processo. Por isso o processo está em discussão no que a gente pode avançar com menos impacto social possível. Com uma atenção especial aos agricultores especialmente os pequenos. Tudo isso está na discussão ? afirma.

O agricultor Lauro Ervino Gaier trabalha com hortaliças na comunidade de Aguapé e já ganhou até um prêmio de produtividade rural, um reconhecimento ao trabalho desenvolvido na região. Apesar de não ter recebido a notificação, está com medo e desmotivado.

? Esse prêmio foi o próprio Incra que me deu em 80, de produtividade rural e hoje eles querem me tirar da terra. Isso não tem cabimento, não existe. Só neste último ano investimos R$ 120 mil reais, trator novo. E hoje o governo está querendo nos tirar de cima da área. Eles incentivam você a investir e depois querem tirar a terra ? lamenta.

Para a associação de quilombolas, Lauro e as mais de 900 famílias que trabalham na área de 4,5 mil hectares, são posseiros e devem sair o mais rápido possível pra que os descendentes dos escravos da região possam entrar em atividade.

? O que nos falta aqui é terra pra trabalhar, que foi tomada pelos posseiros. É um trabalho antigo que fazíamos, que os negros faziam nesta região, como irmandade. Quem vai gerar, o titulo coletivo vem pra associação, é dos remanescentes, quem tem a direção são os remanescentes do quilombo. E eles vão gerar rendas, é tudo coletivo ? afirma o presidente da associação Quilombo do Morro Alto, Wilson da Rosa

O presidente da associação garante que os negros foram obrigados a vender suas terras ou mesmo saíram expulsos pelos posseiros. Mas nem todos os descendentes pensam da mesma forma. Neto de escravos, José Inácio detém uma área de 24 hectares que herdou do avô. Desde criança, trabalhava com agricultura, hoje explora uma pedreira que está dentro da sua área.

? Eu acho que é uma covardia o que estão fazendo porque todo o mundo batalhou pra adquirir o que tem, não vai ser progresso para o lugar, vai ser um atraso. Os que dizem que são posseiros, ou é por mais ou por menos, todos compraram. Eles desembolsaram ou os pais. Tem gente que passou de avo pra neto, foi comprado. Mesmo assim, invadido não tem. Não tem invasão ? afirma.

Os pequenos produtores da região são favoráveis à justiça social, mas temem o futuro da comunidade.

? Que fique bem claro a nossa posição de permanecer na terra porque é nossa comunidade, que nós construímos. De forma alguma nós somos contra qualquer movimento ou a um reparo de uma injustiça que houve no passado. Mas não cabe a nós sermos os únicos responsáveis por isso. Não somos nós que temos que pagar por isso. É um reparo que o Estado deve fazer. Se ele precisa assentar, então que abra uma licitação  um edital público, pra aquisição de áreas de quem quer de bom grado vender suas propriedades e assentar as famílias ? opina o agricultor Edson Ricardo de Souza.

Já o agricultor Manuel Silveira, que planta cana e feijão na subida do morro, espera logo a titulação da terra para a associação.

? A minha expectativa é que eles me dêem mais terra. Que decidam isso porque é do quilombo, é uma terra de escravo, eu sou neto de escravo, o meu avô era escravo. Minha mãe morreu com 98 anos, sempre aqui. Eu quero continuar e ampliar.

E é o que Manuel Francisco, no alto dos seus 94 anos também deseja.

? Eu espero que meus filhos tomem conta e plantem e produzam dentro do que é nosso.

Cada um exigindo seus direitos, mas a sensação dos pequenos agricultores é de impotência.

? Títulos de terras são ditos que não valem nada, um laudo antropológico hoje derruba isso tudo. E o comentário é que seja colocado pra um reassentamento, então o pessoal vai sair das casas boas que tem, que trabalharam, compraram, pagaram, fizeram as suas casas aqui e ser despejado e colocado embaixo de uma lona, na beira da estrada, esperando por um reassentamento ? lamenta o presidente da Associação dos Agricultores Familiares de Aguapé, Paulo César da Silva.

Sair da versão mobile