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Soja Brasil

Qualidade da soja brasileira foi negligenciada pelo melhoramento genético?

Demanda da China faz Brasil refletir sobre os atributos de sua principal commodity agrícola

semente de soja
Soja produzida há quatro décadas possuía até 45% de proteína. Hoje, índice médio é de 36,9%. Foto: Embrapa Soja Arquivo

Ao aumentar a produtividade da soja, os teores de proteína e óleo foram reduzidos? A discussão veio à tona por conta das exigências que a China está fazendo em relação ao produto que ela importa.

O país asiático pede soja com 40% a 43% de proteína e 20% a 24% de óleo. Atualmente, a oleaginosa brasileira possui, em média, 36,9% da primeira substância, enquanto consegue atender ao segundo atributo com mais “folga”.

Para o presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da CNA, Ricardo Arioli, e o presidente licenciado da Aprosoja Brasil, Antônio Galvan, os programas de melhoramento genético focaram em oferecer altos tetos produtivos, mas não tiveram a mesma preocupação quanto à qualidade do grão.

Correlação genética negativa

Foto: Luiz Henrique Magnante/Embrapa

Para esclarecer a questão, o Projeto Soja Brasil entrevistou dois estudiosos do assunto. O pesquisador do setor de Fitotecnia da Soja da Fundação MS, André Ricardo Gomes Bezerra, por exemplo, salienta que não se pode afirmar que na busca por cultivares mais produtivas, o teor de proteína da semente tenha sido negligenciado.

Para ele, o que acontece é a presença de correlação genética negativa entre as duas características, assim como entre teor de óleo e proteína, ou seja, o aumento de uma dessas propriedades pode resultar em redução da outra.

“Entretanto, é possível selecionar cultivares mais produtivas com a manutenção de teores adequados de proteína na semente, desde que essa característica seja levada em consideração durante a seleção das novas cultivares”, explica.

Como era no passado…

Já o professor de agronomia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Aluízio Borem, destaca que há cerca de 30, 40 anos, a maioria das variedades, quando cultivadas no Brasil, produziam até 45% de proteína e, ao mesmo tempo, até 24% de óleo.

“Mas o produtor começou a requerer variedades cada vez mais produtivas porque ninguém remunerava a soja com base no teor de óleo e de proteína. Ao vender, se tivesse soja com mais óleo, ninguém recebia prêmio por isso. Assim, os melhoristas, ao longo das décadas, vieram aumentando a produtividade e, com isso, os teores de óleo e proteína diminuíram”, explica.

Segundo ele, o problema não é restrito ao Brasil.

“Nos Estados Unidos a situação ficou pior porque a soja brasileira, por conta do clima tropical, tende a ter maior teor de óleo e proteína. Hoje é comum que a soja norte-americana, principalmente nos estados mais ao norte daquele país, tenham 18%, 19% de óleo, o que é muito baixo”.

Falta de incentivo do mercado

Foto: Daniel Popov/ Canal Rural

Bezerra, da Fundação MS, concorda com Borem, da UFV, ao salientar que a questão tem como pano de fundo a falta de remuneração ao produtor pelo teor de proteína ou óleo da soja, como já ocorre nos Estados Unidos. “Dessa forma, os programas de melhoramento não investem no desenvolvimento de um produto que o mercado ainda não está disposto a ‘pagar’”, considera.

Para o pesquisador, é provável que, em um futuro próximo, a partir do pagamento ao produtor por esses atributos, o mercado tenha à disposição cultivares de soja com elevado rendimento de grãos e teores de óleo e proteína inseridos na faixa demandada pela indústria.

Borem complementa o raciocínio: “Vejo que as empresas de melhoramento genético já trabalham no sentido de resgatar esse teor de óleo e proteína. Isso está sendo feito a partir de seleção genômica, com o uso de ferramentas da biotecnologia para corrigir e aumentar um pouco o óleo e a proteína sem perder a produtividade”, afirma.

Fatores ambientais

Foto: Daniel Popov/ Canal Rural

A estiagem ou o excesso de chuva ou a carência de nutrientes, como o nitrogênio em fases críticas para a cultura da soja, também podem interferir na quantidade de proteína e óleo que o grão terá?

O pesquisador da Fundação MS ressalta que, normalmente, a soja apresenta teor de óleo mais elevado quando é cultivada em ambientes mais quentes.

“Em alguns estudos foi relatado que a máxima concentração de óleo ocorreu entre 25 e 28°C, decrescendo quando a temperatura aumentou. Estudos de época de semeadura têm mostrado que o conteúdo de óleo é mais baixo quando as sementes amadurecem em temperaturas mais baixas”.

Entretanto, ele enfatiza que a temperatura não está associada com o conteúdo de proteína. “Embora, alguns estudos demonstram que sementes produzidas em condições de temperaturas mais elevadas apresentam proteínas mais ricas em metionina, que é desejável quando a soja se destina à alimentação humana”, afirma.

Assim, Bezerra lembra que estudos conduzidos em ambiente controlado demonstraram que a concentração de proteína foi constante ou decresceu levemente quando a temperatura aumentou de 15 para entre 25°C e 28 °C.

Demanda por nitrogênio da soja

Devido à alta concentração de proteína no grão, a soja apresenta uma grande demanda por nitrogênio. Para demonstrar essa questão, o pesquisador da Fundação MS exemplifica que uma lavoura com produtividade de 3.500 kg/ha de soja com teor de proteína de 40% requer, aproximadamente, 224 kg/ha de N somente para satisfazer a necessidade de formação do grão.

“Por causa desta demanda, grande parte do nitrogênio é remobilizado das folhas, vagens, ramos e outras partes da planta. 50 a 60% da demanda de N da cultura é suprida pela fixação biológica de nitrogênio (FBN). Esses valores podem variar de 25 a 50% em solos ricos em N mineral a 80 a 94% em solos pobres em N mineral”.

Contudo, alguns estudos apontam que em solos bem manejados, de 70% a 85% da demanda de N pela cultura da soja é suprida pela FBN. “Desta forma, longos períodos de estiagem ou excesso de chuva podem reduzir a FBN e, portanto, diminuir a oferta de N para as plantas com impactos na produção de grãos e teor de proteína no grão”, destaca Bezerra.

Manejo interfere na qualidade

Percevejo na lavoura de soja. Foto: Roberta Silveira/ Canal Rural

As decisões que o produtor toma antes e durante a safra, como escolha de sementes certificadas, análise do solo, rotação de culturas, plantio direto, semeadura na janela ideal e outras técnicas podem influenciar na quantidade de proteína e óleo do grão.

O pesquisador da Fundação MS ressalta que mesmo que o produtor tenha escolhido a cultivar adequada para a sua região e ambiente de cultivo, considerando o potencial produtivo e composição dos grãos, é necessário adotar boas práticas agrícolas para possibilitar que a cultivar expresse todo o seu potencial genético.

De acordo com ele, essas boas práticas incluem:

  • Aquisição de sementes certificadas (de qualidade comprovada);
  • Adubação equilibrada, respeitando as carências do solo e expectativa de produção da cultura;
  • Manutenção do sistema plantio direto para fornecer condições mais adequadas à FBN;
  • Menor amplitude térmica e maior conservação de água no solo;
  • Semeadura dentro da época indicada para a região;
  • Proteção da cultura de plantas daninhas, pragas e doenças durante todo o ciclo.

Com essas práticas, a cultura se desenvolve sob condições adequadas de luz, temperatura e umidade.

Posição Embrapa Soja

Procurada pela reportagem para comentar sobre as demandas chinesas de teores de proteína e óleo da soja, bem como a respeito da correlação negativa entre os dois atributos com o aumento de produtividade, a Embrapa não quis se manifestar.

Por meio da assessoria de imprensa, a entidade respondeu que pretende elaborar uma nota técnica de posicionamento, ainda sem data para publicação.

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