CANAL RURAL ENTREVISTA

Proteção de preços de grãos é antídoto para prejuízos, diz Mauro Ozaki, do Cepea

Pesquisador da entidade, Mauro Ozaki destaca relação de troca e traça panorama de preços de commodities agrícolas para a próxima safra

Nesta edição do Canal Rural Entrevista, o convidado é o pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Mauro Ozaki.

No bate-papo com o diretor de Conteúdo do Canal Rural, Giovani Ferreira, o especialista destaca a importância da gestão de custos na lavoura, o panorama de preços das commodities agrícolas para a próxima safra e explica a relação de troca entre produção e insumos. Acompanhe:

 

Canal Rural – Na última década, o Brasil praticamente dobrou a produção de proteína animal e vegetal e mais que triplicou as exportações. No entanto, a gestão de custos na ponta da cadeia em busca de maior eficiência e competitividade continua um desafio. Como vencer esse obstáculo?

Mauro Ozaki – A gestão vem acompanhando, só que não no mesmo ritmo. Existem formas de cada produtor entender como deve encontrar os resultados econômicos que precisa. Mas alguns produtores ainda não têm o controle dos seus gastos. A partir daí, vem a questão de quando é o momento correto de começar a iniciar suas proteções de preço para proteger sua margem [de lucro]. Acho que esse é o desafio de todo produtor: começar a entender em que momento ele deve realmente travar seus preços para começar a mitigar um pouco o risco de sua atividade e não colocá-la toda em risco.

CR – Quando falamos em preço de commodities, temos ciclos de alta e de baixa. Neste momento, estamos passando por uma baixa. A saca de soja caiu de 180 reais em algumas praças e agora está, em média, 120 reais. Olhando o cenário internacional e tudo o que envolve oferta, demanda e especulação, é possível determinar se esse ciclo vai perdurar por mais de uma safra?

Mauro Ozaki – É como diz a palavra, são ciclos. Passamos de uma inflexão da ré da curva [de preços] que não estava em um momento altista nas duas ou três safras anteriores. Tínhamos uma cotação internacional favorável. Aliado a isso, havia um enfraquecimento da moeda aqui no mercado doméstico, o que trazia para nós internamente um preço muito interessante, extremamente vantajoso para o produtor brasileiro. Agora nós caímos para um outro cenário onde as duas principais variáveis na formação de preço – no caso da soja – estão sofrendo uma retração. Então o impacto é muito pesado para aquele produtor que estava acostumado com os patamares das últimas safras e, de repente, vê que o que ele está trabalhando ou se equipara mais ou menos ao que estava dois anos atrás, com um cenário bastante incerto. Isso realmente começa a preocupar. Sempre brinco com os produtores que o preço agrícola sempre cai como se estivesse naquela escorregador de bombeiro, em um elevador, enquanto o custo desce de escada. […] Esse descompasso entre o que o produtor vai vender e o que ele está comprando de insumos traz a sensação de que as suas margens estão ficando mais estreitas. Se não souber exatamente o momento adequado de começar a fazer essas proteções ou o momento correto das compras começa a gerar o problema. É preciso entender que todo ciclo, todo produto agrícola, possui um ciclo de preços. Existe um momento em que há uma certa expansão na produção, na capacidade produtiva, até que essa capacidade produtiva excede a nossa demanda. E é esse o momento que nós estamos vivendo com uma super safra que temos aqui no Brasil. O Brasil é um player internacional extremamente importante junto com os Estados Unidos e nós sabemos que tem um player importante [a China] que precisa do nosso grão, mas também sabe exatamente o momento certo de comprar para aproveitar essa super safra e conseguir diminuir a pressão das cotações e, assim, conseguir comprar barato. Faz parte do jogo e cada um tem que tomar a sua estratégia. Nós precisamos ter estratégias de como conseguir defender melhores preços para auferir a nossa rentabilidade […].

CR – No ano passado, vimos o preço do fertilizante estar, na média, acima de 600 dólares a tonelada e agora está, aproximadamente, em 400 dólares por tonelada. O que significa essa queda abrupta? Há um temor na indústria dos fornecedores de insumo que o produtor, por conta desse cenário, use menos tecnologia e, talvez, reduza a área de plantio. Como avalia esse fenômeno?

Mauro Ozaki – É um ajuste. Se o produtor vê que o preço sofre esse recuo, seja nas cotações no mercado futuro ou no físico, ele começa a sentir na ponta que a rentabilidade não é interessante. Nós estamos ainda em período de planejar a safra 23/24 e estamos vendo que o nível de preço observado no mercado físico, se manter esses mesmos valores que estavam sendo praticado nos primeiros trimestres [do ano] as contas vão ficar muito próximas de não fechar. Então, há a necessidade de fazer esses ajustes exatamente para que o valor da composição dos itens necessário para a produção de produto agrícola se encaixe no preço final. Caso contrário, o produtor acaba substituindo produtos de primeira linha para um produto intermediário, mas não acredito em redução de tecnologia. O produtor mantém o seu padrão tecnológico, mas muda seus fatores de produção no primeiro momento. Ele procura alterar, mudar e alocar melhor seus recursos para manter o mesmo nível de tecnologia que ele está adotando em uma situação mais dramática. O produtor não quer reduzir o padrão tecnológico que ele está trabalhando porque ele tem uma estrutura operacional e precisa mantê-la eficiente.

CR – Os fertilizantes têm grande importância na composição dos custos de produção e acompanhou a queda do preço da soja, por exemplo, que é uma commodity referência aqui no Brasil…

Mauro Ozaki – Os preços dos fertilizantes vem recuando. Claro que há uma defasagem, já que os produtos agrícolas caem mais rápido e são mais sensíveis às variações. Então o produtor acaba sentindo mais rápido a desvalorização da moeda, como aconteceu nesses últimos meses. Rapidamente ele vê que o seu poder de compra diminui e, consequentemente, reduz o apetite de realizar a compra de determinados insumos. […] Também em função do câmbio, os fertilizantes acabaram me acompanhando, não ao mesmo tempo, mas muito próximos para fazer esse ajuste e permitir que os produtores acabassem comprando em uma relação de troca até bastante favorável se comparada à média das últimas três safras.

CR – Como que a relação de troca tem se comportado nos últimos meses diante dessas grandes variáveis de seis meses atrás? Poderia nos dar um exemplo?

Mauro Ozaki – Uma região de Sorriso, em Mato Grosso, por exemplo, ao comprar o cloreto de potássio, que é um dos principais fertilizantes utilizados na produção de soja, nas últimas três safras está em torno de 25 a 26 sacas de soja a tonelada. Nesse primeiro quadrimestre, esteve no patamar de 27 a 28 [sacas], mais ou menos. No entanto, nesse mês de maio, pelo menos com dados parciais, estamos observando que recuou para 26 a 25,5. Então vem acompanhando a média das últimas três safras. Contudo, o preço da soja a gente sabe que vem recuando muito nesse mês de abril e maio. Se olharmos em termos de poder de compra, essa temporada 23/24 está muito próxima da média dos últimos três anos. Mas é óbvio que no ano passado a coisa era bem diferente na quantidade de sacas de soja necessárias para comprar o potássio, ultrapassando 43 sacas de soja. Isso já mostra o quanto esse ano está favorável. No entanto, o preço agrícola derreteu muito perto do que nós estávamos acostumados nos períodos anteriores […].

CR – Sobre o câmbio, que é uma variável que está impactando nesse derretimento das cotações, qual é a sua expectativa para a taxa no Brasil?

Mauro Ozaki – O câmbio é uma variável bastante complicada para entender […]. É a variável mais complexa de se traçar qualquer expectativa porque ela depende não somente do humor externo, mas também da situação das contas públicas [internas]. Então ela tem esses dois componentes que são importantes para monitorar. Se temos um governo perdulário e que não tem tanta responsabilidade com relação aos seus gastos, o risco fiscal vai aumentando, gerando uma certa aversão aos investidores externos. […] e, ao mesmo tempo, se nós temos quaisquer tipos de problemas internacionais, também o investidor externo vê que não é um local interessante de se colocar [dinheiro]. […] por enquanto, a cotação está em um patamar que não sabemos se vai cristalizar nesse valor ou se nós vamos ter uma desvalorização mais forte dessa moeda.

CR – A gente vê muito produtor que se pergunta o porquê de comprar agora o insumo e não esperar baixar mais e, na outra ponta, quando se fala de cotação de soja, se o preço está subindo, ele se questiona se não deve esperar aumentar mais. Qual a orientação neste momento? 

Mauro Ozaki – O problema é o seguinte: mesmo a gente tendo expectativa de bons preços, a impressão que dá é que se o produtor dobra, aposta, vai subir mais um pouco. Esse é o mesmo comportamento daquele que vai comprar. Não vai cair mais um pouco porque ele acredita. Então, essa queda de braço faz parte do mercado de competição. O mecanismo de proteção [de preços] está aí. […] Devemos começar a buscar essas formas de fazer proteção. É óbvio que não dá para ganhar sempre 100% de tudo. Então, o ideal seria conseguir ter a melhor previsão possível e conseguir acertar, vender toda a produção e ter um lucro máximo. Mas sabemos que é mais complexo realizar esse tipo de decisão. O que se pode fazer é sempre ir trabalhando com as duas partes, ou seja, [separar] um quarto, um terço de cada época de produção e ir defendendo e garantindo uma proteção de preço, porque estamos trabalhando no longo prazo.

CR – É importante ter o máximo de informação e previsibilidade, mas o produtor precisa fazer apostas também, certo?

Mauro Ozaki – Tem que fazer mais apostas sim. Claro que não adianta apostar tudo na produção e ficar 100% exposto. Esse é o problema que muitos produtores enfrentam, deixando de ser agricultores e virando especuladores.