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Queda no preço da soja e do milho deve ser ainda pior em 2024, diz economista-chefe da Farsul

Super safra de grãos e caos da infrasestrutura brasileira tendem a levar à depreciação, na opinião de Antônio da Luz. Veja a entrevista completa

Entrevista Antônio da Luz - preço das commodities
Arte: Renan Aguiar/ Canal Rural

O economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, acredita que a super safra de grãos projetada para o ciclo 2023/24 tende a reduzir drasticamente os preços das commodities agrícolas.

Nesta edição do Canal Rural Entrevista, conduzido pelo diretor de Conteúdo da emissora, Giovani Ferreira, da Luz fala, entre outros assuntos, sobre o que ele considera o caos da infraestrutura brasileira, a obsolescência do Plano Safra e a necessidade de o produtor fazer gestão de seu negócio para não tomar mais prejuízos.

Acompanhe:

Canal Rural: Prestes a iniciar a safra 2023/24 de grãos, qual é a expectativa da Farsul em âmbito nacional, mas também local, considerando a transição climática do La Niña para o El Niño e os impactos desse fenômeno climático para o extremo sul do país?

Antônio da Luz – Falando de Brasil, estamos observando uma tendência de aumento de área plantada, mas que foi desacelerada pela queda que tivemos nos preços das commodities. Isso também passa pelo caos logístico que se tornou o nosso país; produzimos 25 milhões de toneladas a mais de soja, [seguida] por uma tsunami de milho segunda safra, o que é um problema bom, porque, graças a isso, o PIB da agropecuária vai crescer 11,8% esse ano. Qual é o país que cresce 11,8% [nesse setor]? Olhe para a China e veja se ela cresce 11,8% em alguma coisa. Só que esse problema bom não está sendo adequadamente respondido pelo país da maneira que deveria, porque gerou-se um caos logístico. Assim, estamos destruindo uma parte desse PIB quando aumentamos o preço dos fretes. Não conseguimos vender aos preços que tínhamos por ineficiência de infraestrutura. Acredito que esse fator fez os produtores colocarem o pé no freio, o que acho, inclusive, prudente. Não estou aqui para defender que produtor não aumente área, mas precisamos pensar, a partir de agora, como é que vamos ampliar a nossa produção, dada a infraestrutura que temos.

Canal Rural: Assistimos um recuo no preço das commodities, do mercado internacional, além de o câmbio depreciado também achatar ainda mais os valores pagos no mercado interno. No entanto, também vimos uma redução nos custos de alguns insumos. Essa diminuição chegou tarde, quando falamos de ciclo 2023/24?

Antônio da Luz – Vamos separar as safras. A 2023/24, vamos plantar com um custo bem menor do que se plantou a 2022/23. Isso é indiscutível. Agora, a safra 2022/23, semeamos com um custo lá em cima e, quando fomos colher e vender, o preço estava lá embaixo. Nesse intervalo, o preço em Chicago não teve grandes quedas, foi ter depois, quando olhamos para 2024. Mas para 2023, o preço em Chicago se manteve muito bom. Também não foi a taxa de câmbio o problema na safra 2022/23, porque se compararmos abril de 2023 com a abril de 2022, o câmbio estava mais alto em 2023 do que em 2022. Mas então por que a soja sai de R$ 170, R$ 180 e vai para R$ 110 em alguns locais? Porque nós colhemos muito mais e tinha muita gente querendo vender ao mesmo tempo. Não tem onde armazenar, as rodovias são as mesmas, as ferrovias são as mesmas, as hidrovias são as mesmas, os portos são os mesmos. Nós temos um blecaute em nossa infraestrutura e quem precisava realmente vender naquele momento, teve que se contentar com o preço mais baixo. Então o preço caiu aqui no Brasil, mas não caiu lá fora. O problema foi aqui dentro e acho que isso deu uma desestimulada no ímpeto de crescimento de área, mas, mesmo assim, acredito que a área vai crescer esse ano. Os investimentos para isso foram feitos, novas áreas foram preparadas, então vai acontecer. Mas acho que aquela taxa alta [de crescimento de área] que estávamos observando nesses últimos três anos, virá esse ano bem mais baixa.

Produzimos muito mais grãos em 2022/23, mas não havia onde armazenar. As rodovias, ferrovias, hidrovias e os portos são os mesmos de sempre. Temos um blecaute em nossa infraestrutura e os preços caíram por causa dessa precariedade, não por problemas externos

Canal Rural: Considerando esse ímpeto menor em investir, em ampliar área e, talvez, em reduzir tecnologias no ciclo 23/24, câmbio e Chicago passam a influenciar?

Antônio da Luz: Sim, e então começamos a olhar o seguinte: temos hoje um custo bem mais baixo. Tem um cálculo que eu gosto muito de fazer, que é o breakeven. O que é o breakeven? É o preço de nivelamento, ou seja, o preço mínimo que o produtor pode vender para empatar [com os custos de produção]. Hoje esse número está mais ou menos, dependendo da praça, entre R$ 100 e R$ 110 reais por saca. Só que esse cálculo nós temos de fazer quando formos colher no ano que vem. Então nós temos que ter um preço de R$ 130, R$ 140 no ano que vem. Mas quando chegar em março, abril do ano que vem, se nós produzirmos 163 milhões de toneladas de soja, que é a projeção de aumento, e se nós produzirmos 129 milhões de toneladas de milho, será que não vamos ter o mesmo problema que tivemos este ano [em relação ao preço], só que um pouquinho mais grave?

Canal Rural: Já tivemos um problema seríssimo de armazenagem, de infraestrutura, de escoamento dessa safra. O que esperar com uma produção ainda maior?

Antônio da Luz – Não sei o que vai acontecer. Quero me dirigir especificamente aos produtores e dizer: ninguém sabe o que vai acontecer. Mas nós sabemos o que aconteceu esse ano e à medida que teremos uma produção ainda maior projetada para o ano que vem, apesar do El Niño e de alguma turbulência, se nós tivemos esse problema logístico este ano, a chance de se repetir no ano que vem é imensa. Diante dessa possibilidade, é preciso tomar algumas atitudes.

Se produzirmos 163 milhões de toneladas de soja e 129 milhões de toneladas de milho, que são os números projetados para o novo ciclo, será que não vamos ter o mesmo problema que tivemos neste ano em relação aos preços, só que ainda mais grave?

Canal Rural: Como mitigar esse risco? O Plano Safra nos dá alguma alternativa de investimento e melhoria em infraestrutura já para a próxima safra?

Antônio da Luz – Eu venho falando aqui no Canal Rural há muitos anos, desde 2010, 2012, então me sinto muito à vontade, visto que já se passaram vários governos: o Plano Safra é, cada vez mais, um anúncio político – o que é importante, acho válido os políticos tirarem um dia para olhar para o setor, sejam eles de direita ou de esquerda – mas do ponto de vista prático, o Plano Safra é cada vez menos relevante. Isso porque o agro cresce muito mais do que o Estado brasileiro é capaz de acompanhar. Então nós temos que olhar para as questões privadas e o Plano Safra vai cada vez mais ficando na obsolescência. Quando olhamos os recursos para investimentos que estão no Tesouro, o orçamento está comprometido. Já está em 98%, 99% e ainda temos mais meses pela frente. Então, não contem com o Plano Safra porque ele não vai resolver. Tenho que olhar como um empresário, para o que está mais na minha mão. Por exemplo, cada produtor tem que ter o seu custo de produção, mas saber que isso ainda não é fazer gestão. Fazer custo de produção é a mesma coisa que estar na terceira série do ensino fundamental. Não quero ofender ninguém, estou querendo ajudar, mas quem não faz nem o seu custo de produção, está em um processo de analfabetismo financeiro. Fez o seu custo de produção, entendeu qual é o preço mínimo para empatar, chegou um contrato para o ano que vem que garante para ele uma margem adequada ao seu histórico, se ele precisa fazer caixa em março, abril, maio e junho, esse produtor deve considerar fazer esse contrato. Se ele vai precisar vender, não deve correr esse risco. Agora, se ele não vai precisar vender, ele tem que fazer um rearranjo no seu fluxo de caixa para obter preços melhores na entressafra. O mercado de soja tem sazonalidade e esses problemas de infraestrutura devem acentuar a sazonalidade desse preço.

Independente de o governo ser de direita ou de esquerda, o Plano Safra é um anúncio político. Do ponto de vista prático, é cada vez menos relevante. Isso porque o agro cresce muito mais do que o Estado brasileiro é capaz de acompanhar

Canal Rural: Nos Estados Unidos, se fala muito da falência agrícola e essa é uma realidade que vemos crescer. As estatísticas mostram números relevantes de recuperação judicial nos principais estados agrícolas do país. Há uma certa resistência em evoluir nesse processo de gestão?

Antônio da Luz – Eu vou falar algo aqui que eu não gostaria de falar, mas tenho que dizer o que me parece que vai contribuir com o engrandecimento do setor, das pessoas, das empresas, dos negócios rurais. Nós temos níveis gerenciais muito baixos. Nós temos um problema em nossa gestão. Ela é pequena, é de baixo nível. Dentro da lavoura, não perdemos nada para os norte-americanos. Pelo contrário, acho que nós estamos à frente deles, visto o que desenvolvemos de tecnologia para poder produzir no Cerrado, para produzir duas safras no Sul. Agora em gestão, estamos muito atrás dos produtores norte-americanos. Um negócio rural precisa ter balanço patrimonial. Sabe por quê? Porque o balanço patrimonial foi inventado seis anos antes de o Brasil ser descoberto e, até hoje, toda empresa é obrigada a ter. Então, se todas as empresas listadas em bolsas do mundo usam, é porque funciona. Temos de falar de demonstrativo de fluxo de caixa, de resultado. É com esses instrumentos que a gente gere os negócios e nós estamos muito atrás nesse processo. Vou dar um dado que quem tem gestão percebe e quem não tem, não percebe: peguemos o pior e o melhor preço da soja dos últimos 15 anos, a variação foi de 28%. No milho, esse mesmo dado foi de 38%. Nos insumos, 26%. Então pensem comigo: um produtor que compra mal os seus insumos vai pagar 26% a mais do que pagaria no melhor momento. E se ele vender o seu grão no pior momento, ele vai receber 38% menos do que poderia, no caso do milho. Então não adianta ter produtividades altíssimas e não ter uma boa comercialização. Isso é gestão. Nós vendemos a maior parte da safra mal.

Dentro da lavoura, o produtor brasileiro está à frente do norte-americano. Basta ver o desenvolvimento de tecnologia para se produzir no Cerrado, para se cultivar duas safras no Sul do país. No entanto, em termos de gestão de negócio, estamos anos-luz atrás deles

Canal Rural: Deixe um recado final para o produtor brasileiro que está entrando em uma nova safra.

Antônio da Luz: Bom, tecendo alguns pontos, quanto, por exemplo, a armazenagem. Está caro emprestar um dinheiro no mercado para construir uma estrutura de armazenagem? Sim, está caro? Mas quanto está custando ao produtor plantar uma safra e, na hora de comercializar, não ter armazenagem e precisar vender bem mais barato? Ponto número dois: já tivemos o problema em 2023 [quanto aos preços]. Não sei se vai acontecer de novo em 2024, mas as chances são imensas. Será que eu não devo refletir melhor sobre a questão de armazenagem? Então na iminência de termos novamente um problema de os preços despencarem na safra e depois recuperarem ao longo do ano, que ações eu devo tomar para melhorar o meu caixa se eu realmente precisar de dinheiro em março, abril, maio, junho? Eu tenho que vender mais, fazer mais barter, mais venda futura, mais contratos a termos. Tenho meu custo de produção, estou com o preço acima dele, está me garantindo margem? Vende e não especula mais.

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