O setor produtivo encarou a medida nacional com descontentamento, alegando que o Brasil não sofre com problemas de abastecimento, apesar das restrições impostas pelo governo da Argentina para exportação – o país vizinho supre parte da demanda brasileira do cereal. No Rio Grande do Sul – que é líder nacional em produção, seguido de Paraná -, ainda existem cerca de 800 mil toneladas do cereal a serem comercializadas.
De acordo com a Companhia Nacional do Abastecimento (Conab), a expectativa é de aumento de 18% na área plantada de trigo nesta safra, o que poderá levar a uma produção de 7,3 milhões de toneladas, aumento de 33% em relação ao ciclo passado. O comentarista do Canal Rural Ivan Wedekin lembra que a Argentina também deverá elevar as exportações na temporada 2014/2015, de 2 milhões para 6,5 milhões de toneladas, o que indica um volume suficiente do cereal para os moinhos brasileiros.
O analista aponta que a comercialização de trigo é “atrasada” no país em relação à soja, por exemplo, não tendo contratos para a entrega futura. Dessa forma, os produtores ficam à mercê do mercado.
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O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto, acredita que a redução do ICMS nas vendas interestaduais possa ajudar a atenuar os impactos da isenção da TEC sobre o trigo gaúcho.
– Estamos apostando todas as fichas nessa redução do ICMS, já que não foi possível manter a TEC do trigo – destaca. Ele afirma que o mercado consumidor de trigo Paraná deveria ter sido incluído na norma anunciada pelo governo gaúcho.
– Vamos aguardar melhora no mercado, mas já sinalizamos que é uma lástima o Paraná não estar junto nesta medida – acrescentou.
O Brasil consome cerca de 11 milhões de toneladas de trigo e produz na ordem de 7 milhões. O analista financeiro Miguel Daoud vê o déficit como resultado de uma “política desastrosa” do Ministério da Agricultura.
– O Brasil tem condições de produzir trigo no Sul do país? Tem. Tem condições de produzir trigo bom, o trigo utilizado para fazer pão? Tem. O primeiro aspecto é que temos que investir em armazenagem; o segundo é a questão do transporte. Você tirar trigo do Rio Grande do Sul e levar para o Nordeste é muito caro. Estamos discutindo as consequências de uma falta de política econômica.
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A retirada da TEC deixou triticultores em alerta e já movimentou o mercado, mas o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) considera que não há motivo para preocupação, já que a isenção vale até dia 15 de agosto, período que não deve coincidir com a entrada da safra brasileira. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), no entanto, prevê queda nos preços praticados.
– A gente observou que, no ano passado, trouxemos de fora muito mais do que 1 milhão de toneladas e que o produtor brasileiro estocou por mais tempo que o necessário, o que trouxe prejuízos ao produtor, que teve que comercializar sua produção depois do período necessário. Calculamos que, com a medida, o valor pode chegar ao preço mínimo do mercado, reduzindo ao patamar que se encontra hoje, em R$ 500,00 por tonelada – ressalta o assessor técnico da CNA, Leonardo Machado.
O Ministério da Fazenda justificou a medida como forma de controlar a inflação. De acordo com o economista Roberto Piscitelli, a argumentação não se justifica, principalmente com a cultura do trigo.
– A medida se justificaria se o preço interno estivesse muito elevado, se estivesse havendo muita especulação. A informação que a gente tem é de que houve, inclusive, uma queda no preço do produto – diz o economista.
O secretário de Política Agrícola do Mapa, Seneri Paludo, explica que, nos próximos três meses, cinco milhões de toneladas de trigo devem ser importadas para abastecer o Nordeste, e que o produtor brasileiro não deve ser prejudicado porque o governo conseguiu reduzir o limite de importação e estipulou o prazo limite para antes de a próxima safra nacional entrar no mercado.
– A gente entendeu que teria que negociar e conseguimos essa argumentação. O primeiro ponto é de que não precisaríamos de mais de 1 milhão de toneladas, o pleito do setor era de 2 milhões, e conseguimos que essa isenção não se estendesse até agosto, que no nosso entender, seria o pior dos cenários, porque em setembro começa a colheita do trigo no Sul do país – afirma Paludo.
O Ministério da Agricultura justifica, também, que as 800 mil toneladas de trigo do Rio Grande do Sul que ainda não foram comercializadas não servem para abastecer o Nordeste, principalmente pelo custo de transporte, que tornaria a operação mais cara do que a própria importação. A pasta acredita que a decisão do governo gaúcho de reduzir o ICMS compensa a falta de TEC.
Roberto Piscitelli endossa a ideia que a redução do ICMS vai resolver o problema de imediato, visto que os prazos de vigências das duas normas são compatíveis.
– Isso socorre o produtor em um momento em que ele estaria prejudicado e teria, talvez, mais dificuldade em colocar sua produção em condições competitivas.
Mercado já sente os efeitos das medidas
O analista da Safras & Mercado Élcio Bento indica que o mercado já reflete as consequências das duas medidas:
– De imediato, temos uma queda acentuada nos preços. O recuo no Rio Grande do Sul já é de quase 15% em relação ao mês passado. A tonelada para comprador no Estado está em R$ 560,00, valor muito próximo ao preço mínimo. Além da isenção da TEC, temos que considerar que o preço internacional já recuou 12% em relação ao mesmo período do ano passado. Temos proximidade da safra recorde e nossos números são até mais otimistas do que os apresentados pela Conab. Se trabalha com número superior a 8 milhões de toneladas. A queda internacional nessa conjuntura de proximidade de uma safra nova é potencializada pela isenção da TEC – explica o analista.
Segundo ele, mesmo que os prazos de isenção da TEC não coincidam com a colheita do cereal, já há “um reflexo psicológico”, que foi a redução nos preços. Além disso, o Brasil tem uma necessidade para fechar o quadro de oferta e demanda este ano, devendo comprar, no máximo, 6,4 milhões de toneladas no mercado internacional, sendo que 5,8 milhões já foram adquiridas.
Na análise do consultor de mercado Carlos Cogo, a medida vai colaborar para uma redução de área na próxima safra (2015/2016), que será plantada no primeiro semestre do ano que vem.
– O governo, de um lado, pela Agricultura, sinaliza que quer estimular o trigo e, de outro, pela Fazenda, dá sinais claros que vale tudo para controlar a inflação, até mesmo ajudar a derrubar os preços de um produto agrícola às vésperas de uma colheita histórica – conclui.
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Comentário de Odacir Klein:
Comentário de Hamilton Jardim, da Farsul: