Reformulação da lei ambiental é suicida para agronegócio, dizem pesquisadores

Para especialistas, alegação de que não existe mais áreas para expansão da agricultura brasileira é insustentávelO pesquisador Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, criticou o principal argumento para a defesa da reforma do Código Florestal: a alegação de que não existe mais área disponível para expansão da agricultura brasileira.

? O principal erro desse código novo é que ele não considera as áreas que foram disponibilizadas para a agricultura historicamente, mas que são de baixa aptidão agrícola e por isso são subutilizadas hoje, sem papel ambiental e com baixo rendimento econômico, como os pastos em alta declividade ? afirmou.

Segundo ele, o entorno das rodovias Dutra e D. Pedro, na região da Serra da Mantiqueira e Serra do Mar, em São Paulo, são exemplos de áreas de uso agrícola inadequado que poderiam ser revertidas para florestas nativas, para compensação de RL de fazendas com elevada aptidão agrícola.

? Se isso não for feito, essas áreas continuarão sendo mal utilizadas. Podemos encontrar exemplos semelhantes em todo o território brasileiro ? disse o pesquisador.

Outro impacto negativo da proposta de modificação do Código para a restauração, segundo Rodrigues, é a anistia proposta para as Áreas de Preservação Permanente (APPs) irregulares.

? Quem degradou as APPs não vai precisar recuperar e, pior, poderá continuar usando a área desmatada. Quem preservou vai ser punido ? explicou.

Segundo ele, um inventário produzido pelo FAPESP este ano mostra que mais de 70% dos remanescentes florestais no Brasil estão fora das Unidades de Conservação e se localizam em propriedades privadas.

? Se não tivermos mecanismos legais para a conservação dessas áreas ? como a RL e APP do código atual ? elas vão ser degradadas depois da moratória de cinco anos determinada na proposta de alteração do Código ? afirmou.

A reformulação do Código Florestal deverá diminuir a eficiência dos mecanismos legais de proteção ambiental. Uma das consequências mais graves será o impacto na qualidade da água. De acordo com José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia, de São Carlos (SP), com o solo mais exposto, haverá um aumento da erosão e do assoreamento de corpos d’água, além da contaminação de rios com fertilizantes e agrotóxicos.

? A preservação de mosaicos de vegetação, florestas ripárias ou matas ciliares e de áreas alagadas é fundamental para a manutenção da qualidade da água de rios, lagos e represas. Essa vegetação garante a capacidade dos sistemas para regular o transporte de nutrientes e o escoamento de metais e poluentes. Esses processos atingem tanto as águas superficiais como as subterrâneas ? disse Tundisi.

O processo de recarga dos aquíferos, segundo Tundisi, também depende muito da cobertura vegetal. A vegetação retém a água que, posteriormente, é absorvida pelos corpos d’água subterrâneos. Com o desmatamento, essa água escoa superficialmente e os aquíferos secam.

Tundisi criticou também a diminuição da delimitação das áreas preservadas em torno de rios. A modificação na legislação, para Tundisi, vai na contramão das necessidades de preservação ambiental.

? Seria preciso preservar o máximo possível as bacias hidrográficas. Mas o projeto prevê até mesmo o cultivo em várzeas, o que é um desastre completo. Enquanto existem movimentos mundiais para a preservação de várzeas, nós corremos o risco de ir na contramão”, afirmou.

Para Tundisi, com o impacto que provocará nos corpos d’água, a aprovação da modificação no Código Florestal prejudicará gravemente o próprio agronegócio.

? Se não mantivermos as áreas de proteção, a qualidade da água será afetada e não haverá disponibilidade de recursos hídricos para o agronegócio. Fazer um projeto de expansão do agronegócio às custas da biodiversidade é uma atitude suicida ? disse.

A agricultura deverá ser prejudicada também com o aumento do preço da água.

? Trata-se de algo cientificamente consolidado: o custo do tratamento da água aumenta à medida que diminui a proteção aos mananciais ? disse o cientista.