Mesmo com a estiagem que afetou a safra de soja no Rio Grande do Sul, o setor de sementes garante que haverá volume suficiente para abastecer o mercado na próxima safra. A Embrapa alerta para os cuidados no beneficiamento dos lotes para assegurar a qualidade fisiológica das sementes.
Em grande parte da região Sul, a falta de chuva associada às altas temperaturas, especialmente nas fases de enchimento de grãos e pré-colheita, forçou a maturação na soja, resultando, muitas vezes, em grãos esverdeados. O problema deixou em alerta os produtores no Rio Grande do Sul, onde historicamente as temperaturas mais amenas, principalmente à noite, raramente favoreciam a ocorrência de grãos esverdeados.
De acordo com o pesquisador da Embrapa Soja José Barros França Neto, o grão verde pode apresentar menos óleo, maior acidez e demanda custo maior para o refino. Lotes com mais de 10% de sementes esverdeadas estão sujeitos a menor valor no mercado e não podem ser destinados à exportação.
Na produção de sementes, os grãos verdes podem representar menor vigor e poder germinativo. A recomendação do pesquisador da Embrapa Trigo Luiz Eichelberger, é remover as sementes esverdeadas durante o beneficiamento. O método mais eficiente consiste na classificação da soja em peneiras, onde as sementes esverdeadas, geralmente menores e mais leves, ficam concentradas nas peneiras menores.
“Neste momento de colheita e pré-beneficiamento, é muito importante fazer o teste da peneira para verificar a efetividade da classificação em peneiras e estimar o descarte”, afirma o pesquisador lembrando que, por segurança, só devem ser destinados ao mercado lotes que não ultrapassem 9% de sementes esverdeadas.
Setor produtivo em alerta
Garantir qualidade na semente é a preocupação do produtor Liseu Soares Pinto Junior, engenheiro agrônomo que acompanhou a produção de sementes em 240 hectares de soja na Agrícola Fenner, na região de Santa Rosa, noroeste do RS.
O rendimento não foi muito prejudicado pela estiagem, resultando em um saco de soja a menos do que na safra 2018/2019. Contudo, as cultivares semeadas mais cedo, em 16 de outubro, sofreram mais com a estiagem.
“No rendimento, as cultivares do cedo resultaram em até 7 sacos a menos por hectare, ainda assim cultivares como a BRS 5601RR e BRS 5804RR produziram, em média, 50 sacas por hectare”, conta Liseu.
Segundo ele, o rendimento surpreendeu em função do cenário ao longo da lavoura: “Apesar das altas temperaturas, a nossa região sofreu menos com o déficit hídrico, com chuvas esparsas que salvaram muitos produtores. Nossa média fechou em 57 sacos por hectare (sc/ha), mas ouvimos muitos produtores lamentando que fecharam a colheita em 40 sacas por hectare”.
No norte do RS, a Sementes Tombini atingiu produtividades que variaram entre 57 a 70 sacas por hectare. A cultivar da Embrapa BRS 5804RR alcançou os 72 sc/ha na média da área de 40 hectares para a produção de sementes em Carazinho, RS. “Difícil entender uma safra como essa, onde uma lavoura ao lado da outra apresentou rendimentos tão diferentes. Agora vem o desafio maior: avaliar o quanto desta produção atende os parâmetros para a produção de sementes”, avalia o produtor Pedro Tombini.
Com a colheita encerrada, o produtor Ronaldo Bonamigo, da Sementes Ponteio, em Pejuçara, RS, estima que a quebra pode chegar a 50% na produção de sementes.
“Tivemos chuvas que, apesar de pouco volume, foram bem distribuídas até o final do ano. Nossas perdas começaram a aparecer com a estiagem que assolou a soja em meados de fevereiro e março, na fase final da lavoura”, conta Bonamigo.
As lavouras implantadas no final de outubro sofreram mais com a estiagem na região, mesmo nas áreas sob pivô, onde a soja para produção de sementes chegou a 40% de quebra. Além da cor esverdeada, o déficit hídrico e o calor também resultaram em grãos miúdos e deformados:
“Estamos avaliando mercados para grãos em formato ovalado que estão apresentando boa taxa de germinação, mas não poderão ser utilizados em semeadoras a disco”, conta o produtor.
Das nove cultivares utilizadas na Sementes Ponteio, duas já foram descartadas para a produção de sementes. “Mesmo com a média de rendimentos em 50 sacas por hectare na soja, teremos pouca oferta de sementes. Estamos buscando prezar pela qualidade. Não adianta ter um grande volume de semente ruim”, lamenta Ronaldo Bonamigo lembrando que somente após o beneficiamento e os testes de vigor e germinação será possível realmente determinar a qualidade dos lotes.
Mercado será abastecido
A área de produção de sementes de soja homologada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) foi a maior desde 2004, registrando 239 mil hectares no RS. Um crescimento de quase 6% em relação ao ano anterior.
Segundo o Diretor Administrativo da Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do RS (Apasul), Jean Carlos Cirino, considerando os últimos cinco anos, mais de 30% do volume de sementes de soja produzidas a cada safra fica retido, servindo como uma reserva técnica de mercado.
“Isto garante certa tranquilidade para o produtor na oferta de sementes de soja. Nem sempre será possível adquirir a cultivar que o produtor está buscando, mas certamente vai encontrar uma similar no mercado”, explica Jean.
Além disso, segundo o dirigente, o RS é um grande exportador de sementes para outros estados, destinando 40% da produção para os demais estados do sul, além das regiões centro-oeste e sudeste.
A Apasul deverá concluir o levantamento do volume de sementes produzido na safra de soja 2019/20 até o final do mês de abril, mas os gestores se mostram confiantes quanto ao abastecimento da demanda interna:
“A taxa de uso de semente certificada no RS é de aproximadamente 50%, nossa meta é chegar a 65% até 2025. Estamos trabalhando para incrementar gradativamente este índice”, conclui Jean Cirino.
Para garantir o sucesso da soja nas lavouras, a recomendação final da Embrapa é verificar a qualidade fisiológica das sementes, principalmente no teste de vigor, antes da próxima semeadura de verão:
“O produtor precisa avaliar com bastante atenção o vigor das sementes para não chegar na próxima safra com problemas de baixa germinação nas lavouras de soja”, conclui o pesquisador Luiz Eichelberger.